A visita da deputada democrata Nancy Pelosi a Taiwan, que, na semana passada, despertou a maior crise entre Estados Unidos e China nos últimos anos, é um exemplo interessante para pensarmos o princípio da separação de poderes, cláusula pétrea das Constituições de democracias como a americana e a brasileira.
Se do outro lado do mundo a viagem deflagrou exercícios com tiro real próximo à ilha, considerada província rebelde por Pequim, no território americano obrigou o presidente Joe Biden a empreender uma ofensiva diplomática a fim de pôr panos quentes nos ânimos exaltados. A China é considerada adversária estratégica pelos EUA - e vice-versa -, mas ninguém quer guerra. Ao menos, não agora - com um conflito na Europa, recessão à vista, inflação em alta, um mundo pós-covid a reconstruir e processos eleitorais dentro de três meses lá e aqui, ainda que lá não seja uma escolha democrática.
Mas voltemos à separação de poderes. A ação de Pelosi constrangeu Biden, do mesmo partido da presidente da Câmara. Mas, em nenhum momento, o Executivo criticou ou censurou abertamente a ação da líder do Legislativo, respeito que remonta ao sistema de checks and balances concebido na Filadélfia. Ela tem plena liberdade de atuação.
Pelosi empoderada por si própria, tem com autonomia e não representa o governo dos EUA.
Seria assim no Brasil? Arrisco dizer que não. No Brasil, as relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário se dão, em menor e maior graus, na base dos interesses comuns ou na base do confronto ideológico. O presidente, chefe do Executivo, convoca embaixadores estrangeiros para criticar o sistema eleitoral pelo qual foi eleito, competência do Tribunal Superior Eleitoral, ou seja do Poder Judiciário. No Legislativo, o centrão lança Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para reverter decisões não unânimes do Supremo. E o STF, por sua vez, é acusado, por ambos os lados, de ser um poder acima dos demais poderes.
Nos EUA, o caso de Pelosi, que provocou a China em momento errado, lembra a ação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que fez críticas públicas ao regime de Pequim, com insinuações e críticas sobre espionagem (no caso 5G) e a origem do coronavírus ("vírus chinês"). No primeiro caso, a resposta foi ríspida por parte da embaixada chinesa em Brasília. No segundo, a reação "informal" foi o atraso pela China no envio do insumo farmacêutico ativo (IFA), fundamental para a fabricação da vacina contra a covid-19.
No caso brasileiro, o que tornou a relação mais cinzenta entre os dois poderes foi o fato de a crítica a Pequim partir do filho do presidente e deputado. No caso americano, a provocação partiu de uma agente pública do mesmo partido de Biden. Em comum, o fato de que intrigas domésticas acabam, em geral, influenciando a política externa.