Antes de tudo, um esclarecimento: na cartilha das relações internacionais e da diplomacia, o representante de um país expressar opinião sobre outro, não apenas é considerado gafe como, pior, tentativa de ingerência externa nos problemas de um Estado soberano, que tem o direito e o dever de resolver suas questões domésticas sem pitacos de fora.
Dito isso, a iniciativa do presidente Jair Bolsonaro de chamar embaixadores estrangeiros para tentar convencê-los de que o sistema eleitoral é fraudulento é um desprestígio aos brasileiros. A lisura do pleito, sua transparência, é um tema que diz respeito só - e somente só - aos brasileiros. É assunto interno.
Mas ok, a imagem externa do Brasil, uma das maiores democracias do planeta, importa ao mundo. E, nesse sentido, se o esforço do Planalto era refazer desmentidas teorias de conspiração sobre o sistema eleitoral que o Brasil vem utilizando há mais de duas décadas - e por meio do qual o atual presidente foi legitimamente eleito, em 2018 -, o presidente colheu manchetes internacionais adversas.
The New York Times, o jornal mais influente do mundo, comparou Bolsonaro com Donald Trump: "Presidente do Brasil reúne diplomatas estrangeiros para lançar dúvidas sobre eleições", elevando suas alegações de fraude a uma questão de política externa.
Se observarmos outros veículos internacionais, o teor da repercussão não é muito diferente: Associated Press News diz que Bolsonaro semeou dúvidas sobre o processo eleitoral. Reuters foi mais incisiva: "O presidente brasileiro atacou o sistema eleitoral brasileiro".
Se o objetivo era ganhar manchetes globais, elas vieram, inclusive em francês, chinês e árabe. De forma crítica, como ensina o bom e independente jornalismo.
Agência France Presse (AFP), por exemplo, disse que "o presidente de extrema direita voltou a atacar o sistema eleitoral".
A verdade é que a fala não convenceu a comunidade internacional, que não é ingênua. Aliás, erros grotescos de inglês, como o da tela em que aparece escrito "brienfing com os embaixadores", provocaram até risos.
Uma apresentação que passa pela aprovação de vários altos funcionários do Planalto não pode conter erros em português. Nem em inglês ou em qualquer outro idioma.
Aliás, como se sabe, diplomatas são treinados para ler nas entrelinhas e para ter olhar de lince sobre fatos domésticos. Não são, facilmente, manipuláveis.
No cenário internacional, a tentativa de Bolsonaro de mudar as regras do jogo se aproxima do que tentou Trump na eleição de 2020, nos Estados Unidos. O então presidente americano, de quem o brasileiro é admirador, tentou, por diferentes táticas, minar, por dentro a democracia: antes, durante e depois da disputa.
No caso, a ideia era desacreditar o voto pelo correio nos EUA: houve discursos, tentativas de impugnação do pleito em Estados-chave (leia-se, onde Trump havia perdido), ameaças de levar à Suprema Corte, e, em 6 de janeiro, a ação final, a invasão do Capitólio.
Foram cenas dantescas.
Aliás, agora que Trump virou história, estão em andamento dois processos. Em um deles, o ex-presidente é investigado por uma comissão do Congresso sobre o 6 de janeiro. A cada dia surgem novas revelações, também bizarras, com as de que Trump teria tentado tomar a direção da limusine naquele dia, ao ser contrariado pelo serviço secreto, que desorientava o presidente a se juntar à turba no Capitólio.
- Sou o presidente dessa porra - teria dito.
A segunda investigação, pela procuradoria de Nova York, analisa os negócios da família Trump por irregularidades no Estado.
A despeito do aspecto anedótico do Power Point de Brasília, diplomatas saíram preocupados com a possibilidade de o presidente estar preparando terreno semelhante ao do americano para contestar os resultados da eleição, se perder. Pegou mal, sobretudo, a tentativa de colocar as Forças Armadas como fiéis da balança. No caso americano, em 6 de janeiro, sabe-se, o alto oficialato inclusive tentou barrar a ação golpista de Trump, que se recusava a sair da Casa Branca.
A reunião desta terça-feira (19) de Bolsonaro, que promove a ideia de elevar o Brasil a uma potência internacional, terminou por vender a imagem de uma República de Bananas.