Embaixadores convidados para o encontro promovido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) nessa segunda-feira (18) não mudaram a impressão geral sobre a segurança do sistema de votação eletrônica do Brasil. Após a reunião no Palácio do Alvorada, sete representantes de países na Ásia, Europa e América Latina conversaram com o Estadão, sob a condição de ter as identidades preservadas.
O representante de um país nórdico afirmou que as falas de Bolsonaro não mudaram "nada no nosso modo de ver as coisas". Ele disse que não tem por que questionar um sistema "que funcionou bem nos últimos 25 anos". Segundo ele, o encontro deve ser visto como parte de uma "campanha eleitoral".
O mesmo embaixador disse que havia, no salão do Alvorada, alguns diplomatas mais simpáticos ao presidente e outros menos, mas que, no geral, a impressão foi a mesma, sobretudo nas democracias europeias.
Os erros de tradução nos slides mostrados por Bolsonaro viraram comentário entre os presentes. A apresentação tinha perguntas em português e em inglês aos diplomatas. "Por que seus países não usam nosso sistema seguro e eletrônico?", era uma delas.
Um dos poucos a se manifestar publicamente sobre o encontro, o embaixador da Suíça usou a rede social para mandar seu recado: "Desejamos ao povo brasileiro que as próximas eleições sejam mais uma celebração da democracia e das instituições", escreveu o embaixador Pietro Lazzeri.
Outro representante classificou o PowerPoint como "amador" e afirmou que os diplomatas já estavam devidamente informados sobre o inquérito da Polícia Federal relacionado a um ataque hacker nas eleições de 2018, usado como base para a argumentação do presidente.
Como mostrou o Projeto Comprova, a invasão foi ao sistema interno do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não teve qualquer implicação na segurança das urnas eletrônicas. A Polícia Federal não encontrou registros de investigações sobre fraudes envolvendo a urna eletrônica desde que o método de votação foi adotado, em 1996.
Um diplomata europeu afirmou que viu "nada de novo" nas declarações do presidente Bolsonaro. Segundo ele, na parte final da exposição era uma sucessão de "ataques aos ministros do TSE".
Para um terceiro embaixador, ao centrar fogo nos ministros Edson Fachin, Luis Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, e tentar associá-los ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), rival na disputa deste ano, o presidente evidenciou o tom eleitoreiro.
Já um outro diplomata europeu reiterou que o resultado deve ser aceito e que não saiu preocupado com golpe pós-eleições. Segundo ele, "ninguém se convenceu de que houve fraude", mas, na sua visão, o sistema poderia ser mais "auditável." De acordo com ele, o "TSE precisa aceitar alguma crítica", ponderou o embaixador, para quem Bolsonaro fez um contraponto à reunião promovida pela Justiça Eleitoral em maio com diplomatas.
Havia mais gente no Alvorada. A Presidência da República não divulgou uma listagem oficial de quantos embaixadores compareceram. A reportagem contou 70 carros de missões diplomáticas com os convidados no Alvorada. Alguns diplomatas falaram em cerca de 80 nomes. No TSE, foram 68 em maio.
O representante de um país árabe disse que o tom de Bolsonaro foi calibrado e que foi a primeira vez que ele se encontrou com uma quantidade grande de diplomatas sem que houvesse um corte ideológico claro. Alguns pediram para tirar fotos com o presidente ao fim da apresentação. Diplomatas alegaram que o governo brasileiro só convidou representantes de países com embaixador creditado no país, à exceção dos Estados Unidos cuja representação diplomática é atualmente chefiada por um encarregado de negócios. Não foram convidados representantes de Chile, China, Argentina e Reino Unido.
Um embaixador latino-americano, cujo governo é simpático a Bolsonaro, afirmou que as preocupações expostas pelo presidente são "legítimas" e destacou o tom cordial. A postura do presidente, menos beligerante do que de costume, foi notada por todos os diplomatas com os quais a reportagem conversou.
O chefe de uma missão diplomática da Europa notou que Bolsonaro tentou dar um verniz colaborativo à apresentação, afirmando que o Poder Executivo estava à disposição para ampliar investimentos de dinheiro nas eleições que pudessem dar mais segurança. "Foi algo politicamente correto, vindo de uma pessoa que é conhecida por agressividade", afirmou.
Presentes ao Alvorada, os ministros da Defesa, da Casa Civil, das Relações Exteriores, do Gabinete de Segurança Institucional e da Secretaria Geral da Presidência da República não se manifestaram.