Uma pesquisa exclusiva e muito relevante, realizada pelo Observatório das Migrações Internacionais no Rio Grande do Sul, vinculado ao curso de Relações Internacionais da ESPM-POA, revela os primeiros dados sobre o impacto da pandemia de covid-19 e da vacinação entre a população imigrante no Estado.
Tendo como desafios um Censo defasado, cuja última atualização ocorreu em 2010, e enfrentando carências e divergências de dados entre plataformas governamentais, o estudo, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), traz números reveladores sobre essa população de estrangeiros que escolheu viver no Rio Grande do Sul, por diferentes motivos, problemas econômicos ou perseguições políticas e guerras, casos dos refugiados.
Intitulada "Impactos Socioeconômicos da COVID-19 em Imigrantes no Estado do Rio Grande do Sul: mensuração e mitigação dos efeitos da pandemia e governança de saúde pública", a pesquisa analisou os números de casos de covid-19, de óbitos, a vacinação e o acesso ao Auxílio Emergencial entre imigrantes de março de 2020 a abril de 2022. Segundo o trabalho, cerca de 30 mil imigrantes vivem hoje no Estado, distribuídos entre Porto Alegre, Região Metropolitana e vales do Sinos e Taquari principalmente, seguidos de polos na Serra e nas fronteiras.
No período analisado, 35.194 imigrantes foram infectados pelo coronavírus, o que representa 1,51% da população do Rio Grande do Sul atingida pela pandemia. Uma curiosidade: o percentual é muito próximo do total de profissionais de saúde com covid-19 no período.
Em relação às mortes, os dados são ausentes ou pouco confiáveis. Segundo a pesquisa, o governo do Estado não identifica óbitos por covid-19 por nacionalidade. E o registro do governo federal identifica apenas um morto estrangeiro por coronavírus no RS em dois anos de pandemia, o que é pouco provável. O problema, segundo os organizadores do estudo, se deve à subnotificação e, possivelmente, ao apagão de dados sofrido pelo DataSUS.
Para suprir essas carências, os pesquisadores fizeram uma projeção estatística a partir de dois indicadores (letalidade aparente e mortalidade por 100 mil habitantes). A partir dessa equação, a estimativa é de que entre 104 e 598 imigrantes tenham morrido em decorrência da doença entre março de 2020 e abril de 2022.
Em relação à vacinação contra covid-19, a pesquisa identifica que cerca de 9 mil imigrantes receberam as três doses de imunizante, o que representa um terço da população de estrangeiros do Estado. O próximo desafio, conforme os organizadores, é analisar quem são as populações mais imunizadas. Mas algumas características já permitem compreender porque muitos deixaram de receber suas doses. Três razões foram apontadas: eles não sabiam se poderiam participar da campanha, falta de informação e medo de repassar dados pessoais às autoridades e sofrer penalidades, como deportação ou multa, no caso de irregularidades.
- As falas identificam problemas por parte da campanha de imunização, como falta de preparo de agentes públicos e carência de informações em outros idiomas, como espanhol e francês - explica um dos organizadores da pesquisa, o professor Roberto Uebel, doutor em Estudos Estratégicos Internacionais pela UFRGS e docente da ESPM.
Via Lei de Acesso à Informação (LAI), os pesquisadores descobriram que R$ 94,9 milhões do Auxílio Emergencial foram destinados aos imigrantes no Estado. No total, 22.351 receberam pelo menos uma parcela do benefício. Esses dados, obtidos junto à Caixa Econômica Federal, revelam também um pouco do perfil dos estrangeiros que habitam o nosso Estado: o maior contingente estrangeiro de beneficiados foram os uruguaios (6.513 receberam apoio financeiro), depois vieram os haitianos (6.109), e, em terceiro, estão os venezuelanos (3.060). Em quarto lugar, aparecem os argentinos (1.410), seguidos de senegaleses (1.235), colombianos (1.144) e cubanos (588).
O trabalho será publicado em artigo científico, como capítulo de livro e em policy paper pelo Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (Isape), com recomendações aos agentes públicos. A segunda parte da pesquisa, que começa agora, pretende cruzar os dados com a realidade dos municípios. Além de Uebel, participaram da pesquisa os professores Eveline Brigido e Vítor Ribeiro e os estudantes Amanda Capella Mendicelli, Anna Carolina Florczak, Isadora Belmonte, Lauren da Silveira Porto, Luana Ribeiro e Thiago Pádoa Kazmierczak.