Não é a primeira vez - nem será a última - que Vladimir Putin aciona narrativas que tentam tocar profundamente no nacionalismo dos russos. Mas, desta vez, ao se comparar a Pedro, o "Grande", durante visita a uma exposição que celebra os 300 anos do antigo czar, na quinta-feira (9), ele deixou muito claro a mensagem que deseja passar ao mundo.
Pedro é o modelo de líder poderoso, centralizador, autoritário e conquistador que Putin aspira ser. Tendo vivido entre 1672 e 1725, o czar transformou a Rússia em um império, estendendo suas fronteiras em direção ao norte da Europa. Entre 1700 e 1721, ele comandou a vitória sobre o Império Sueco, abocanhando um naco de terra no Báltico, mas, acima de tudo, eliminando de vez qualquer aspiração da Suécia moderna de ser uma potência no continente.
Na visão de Pedro - e como Putin na Ucrânia atual -, a Rússia não roubou uma faixa de território naquela guerra. Apenas tomou o que lhe seria de direito. A mesma narrativa é usada pelo atual autocrata do Kremlin, como já escrevera em um famoso artigo pré-guerra, para tentar justificar a ocupação, primeiro da Crimeia, agora do Donbass e além: de que Ucrânia e Rússia são uma coisa só.
- Também coube a nós devolver o que é da Rússia - disse.
É muito comum líderes autoritários - de direita ou de esquerda - apelarem ao nacionalismo e à ameaça do inimigo externo quando estão pressionados. Putin é mestre em resgatar o passado imperial russo para vangloriar-se de que estaria devolvendo aos russos o que lhes seria de direito e recolocando o país em seu lugar como potência. Mas não apenas a Rússia não é mais um colosso militar, como mostram seus fracassos no front da Ucrânia, como ruma ao precipício econômico por conta da guerra. A taxa anual de inflação está em 17% - antes da invasão da Ucrânia, o índice era de 8%. Isolado internacionalmente, o país vive a maior contração desde 1994. O Produto Interno Bruto (PIB) deve recuar até 12% em 2022.
Assim, além apelar à nostalgia, resta a Putin apenas se apegar às armas nucleares para construir a imagem de tigre de papel (ou urso, para ficarmos na metáfora mais adequada) que um dia, ao rugir alto, amedrontava o mundo.
A comparação com o czar, no entanto, engendra um alerta: ocupar territórios é uma de suas obsessões. E aí o argumento da defesa dos russos no exterior cabe perfeitamente para justificar aventuras belicosas: primeiro a Geórgia (com Abkháza e Ossétia do Sul), agora a Ucrânia (com Crimeia e Donbass) e, no futuro, quem sabe, a Moldova (a começar pela Transnístria). E assim ele pretende reviver o sonho imperial, a utopia da Grande Rússia.
É por declarações como essas que fica fácil compreender a decisão da Finlândia, aspirante à Otan, de construir barreiras em seus 1,3 mil quilômetros de fronteira com a Rússia. Não é só por temer o ingresso de refugiados.