A reunião de cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que termina nesta quinta-feira (30), está enviando uma série de recados diretos à Rússia de Vladimir Putin, que cometeu a atrocidade de invadir um país soberano, a Ucrânia, em 24 de fevereiro. O mais visível deles é o processo de adesão de Finlândia e Suécia, que foi destravado na terça-feira (28), após a Turquia aceitar o ingresso dessas duas nações nórdicas.
Para que novos países entrem na aliança militar é necessária a aprovação de todos os membros. A Turquia, que nos últimos anos havia se aproximado muito da Rússia, ameaçava melar a festa ocidental, principalmente porque acusava Finlândia e Suécia de proteger opositores ao governo Recep Tayyp Erdogan.
Não se sabe exatamente, até o momento, qual será o preço que o restante da Europa, Estados Unidos e Canadá terão de pagar em troca do aval turco. Mas há indícios. Primeiro a possível extradição de opositores de Erdogan, que, sabe-se, comanda um governo com mão de ferro e acusações de violações de direitos humanos. Segundo a liberação de restrições americanas de acesso a programas de modernização de seus caças (a frota turca de F-16 está desatualizada) ou mesmo a compra de novos aviões dos EUA.
A Turquia era penalizada pela Casa Branca, desde o governo Donald Trump, porque havia se aproximado de Putin e porque comprara sistemas antiaéreos russos. Erdogan enfrenta eleições no ano que vem, e manter a oposição sob rédea curta (com líderes presos, inclusive suspeitos do golpe de 2016) dá certa tranquilidade ao presidente.
Para o Ocidente, ter a Turquia no barco é também importante - não apenas pela interlocução com Putin, na falta de mediadores mais qualificados, como a ex-chanceler alemã Angela Merkel -, mas principalmente porque o país exerce função estratégica: é o único de maioria muçulmana na aliança militar, sedia a importante base aérea de Incirlik e atua em operações contra extremistas na Síria e na Líbia. E, sobretudo, porque Erdogan tinha poder de vetar a ampliação da organização, claro.
Outros recados duros a Putin: a elevação do efetivo da Otan, de 45 mil para 300 mil militares, nas franjas da Ucrânia, a nova fronteira da Guerra Fria; a mudança de status da Rússia de "parceira estratégica" para "ameaça"; e o compromisso de maior investimento dos membros em defesa - os 2% de comprometimento do Produto Interno Bruto (PIB) de cada país, antes uma meta que agora passa a ser o encarado como mínimo.
Uma amostra clara de como a invasão da Ucrânia quebrou a paz na Europa e está redefinindo o sistema de segurança do continente é a declaração do chanceler alemão, Olaf Scholz, que, na terça-feira (28), disse que seu país terá o maior exército convencional da Europa. O investimento de 100 bilhões de euros em forças armadas representa uma mudança significativa.
Ao longo do século 20, a Alemanha enfraquecida era a base do equilíbrio de poder europeu. Potências como Reino Unido e França impuseram à Alemanha punições por seu imperialismo, que começaram no Tratado de Versalhes, em 1919 - e cujo ressentimento, por parte dos alemães, ajudou a fazer ascender o nazismo. Essa contenção foi coroada no pós-Segunda Guerra Mundial. Hoje, a Alemanha é uma nação pacífica, democrática e uma potência econômica. Mas seu exército fora reduzido drasticamente depois da Guerra Fria - passando de cerca de 500 mil soldados em 1990, ano da reunificação, para 200 mil atuais.
Desde a invasão da Ucrânia, a Alemanha revogou sua proibição de exportar armas letais para zonas de conflito, anunciando grandes remessas à Ucrânia. Para uma nação que se moveu de forma discreta e silenciosa em relação aos conflitos da segunda metade do século 20, em parte pelo sentimento de culpa, os investimentos representam uma nova era em termos de segurança e defesa da Alemanha em particular e da Europa em geral. O continente se armou.