Chama-se barganha o que a Turquia está fazendo ao dizer que irá se opor ao ingresso de Finlândia e Suécia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
O governo de Recep Tayyp Erdogan tem, mesmo, poder de colocar água no chope dos nórdicos? Tem e, possivelmente, fará, a menos que ganhe algo em troca para aprovar a adesão. Pelo tratado da Otan, qualquer ampliação do clube militar precisa ser aprovada por todos os membros. E não é incomum que alguns países impeçam o ingresso de novos integrantes. A própria Turquia tem bloqueado, há anos, a entrada de Chipre, com quem tem rixas territoriais. A Grécia também impediu, por muito tempo, que a Macedônia do Norte ingressasse no clube militar - algo que o país só conseguiu em 2020, após resolver uma disputa em torno do nome oficial do país.
Erdogan é irredutível? Não. Mas vai cobrar caro para aceitar Finlândia e Suécia, porque viu, no interesse dos nórdicos e dos demais vizinhos de Otan, uma oportunidade estratégica de tirar proveito da situação.
O governo turco está há anos sob pressão dos Estados Unidos devido à situação dos direitos humanos, que se deteriorou muito no país desde 2016, em que Erdogan se aproveitou do golpe que sofreu (alguns dizem que teria sido um autogolpe) para apertar o torniquete contra a oposição. Aliás, muitos adversários do presidente, ele próprio um protoditador, fugiram para países como Suécia e Finlândia. Daí a acusação de Erdogan, ao dizer que não pode aceitar essas nações na Otan porque dariam proteção a membros do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), considerado um grupo terrorista pela Turquia.
Além disso, desde o golpe, a Turquia se aproximou muito da Rússia. Mais do que relações comerciais civis intensas, o país chegou a comprar, em 2019, um sistema antimísseis S-400 do país de Vladimir Putin. Essa negociação levou os Estados Unidos de Donald Trump, na época, a retirar a nação de um programa militar que previa a renovação dos aviões de combate F-35. A Turquia chegou a pagar US$ 2 bilhões pelos caças e não os recebeu.
O Ocidente já se acostumou ao papel dúbio de Erdogan - na crise dos refugiados da Síria, por exemplo, a Turquia chegou a barganhar com a Europa ajuda econômica para barrar a massa de migrantes às suas portas. Os demais membros da Otan sabem também que, apesar das atitudes rebeldes de Erdogan, o país é importante para a aliança militar. A Turquia é o único membro de maioria muçulmana (o que é fundamental para relações com o mundo árabe), abriga a base de Incirlik, de onde partem aviões da Otan para ações contra terroristas do Estado Islâmico na Síria, e é próxima do Kremlin, podendo, por vezes, servir como mediadora de crises - até na Ucrânia.
De contrapartida pelo aceite dos novos integrantes, Erdogan pode pedir mais armamentos - ele está de olho nos caças F-16 americanos -, ajuda econômica ou redução da pressão diplomática em relação aos direitos humanos. Afinal, não seria a primeira vez que o Ocidente estaria disposto a fazer concessões a um líder autoritário para satisfazer a seus interesses.