A montanha pariu um rato
Quem esperava o discurso de Vladimir Putin, nesta segunda-feira (9), para tentar compreender a quantas anda a mente do autocrata do Kremlin em relação à Ucrânia saiu frustrado. Os serviços de inteligência americanos tinham informações de que, na celebração do 77º aniversário da rendição da Alemanha nazista, na Segunda Guerra Mundial, que os russos chamam de Grande Guerra Patriótica, Putin faria uma declaração formal de guerra à Ucrânia - lembrem que, na Rússia, a invasão do país vizinho não é chamada de guerra, mas com uma "operação militar especial".
Alguns analistas, entre os quais me incluo, acreditavam que Putin usaria o "Dia da Vitória" para anunciar algum triunfo sobre a Ucrânia - ainda que imaginário. No mínimo, poderia gabar-se de ter garantido que o governo Volodimir Zelensky desista de ingressar na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), inventado que desnazificara o país ou mesmo que, com a ação, protegeu os russos étnicos da região do Donbass. No máximo, poderia ter anunciado tudo isso e encerrado com a frase: "Missão cumprida". Acrescentada de uma ordem para que os soldados, filhos e filhas de tantas famílias russas, voltassem para casa.
Mas Putin não fez nada disso durante os 11 minutos de seu pronunciamento na Praça Vermelha, em Moscou. Até o mau tempo (na verdade, estava apenas nublado na hora do desfile militar) foi usado como argumento para que os aviões de guerra deixassem de cruzar os céus. Nem o famoso "avião do Juízo Final", o Il-80, aquele no qual Putin e seus principais generais embarcariam em caso de uma guerra nuclear, saiu do chão. Havia especulações de que ele apareceria nesta segunda-feira sobre a Praça Vermelha, o que seria um recado ao Ocidente de que Putin estaria disposto a ir até as últimas consequências na guerra, inclusive com o uso de armas atômicas. A aeronave apocalíptica não apareceu, tampouco caças ou outros aparelhos aéreos. No chão, o desfile foi habitual, com blindados, mísseis com capacidade nuclear, sistemas antiaéreos e tropas. O discurso também foi moderado, medido para não elevar a retórica militar. E repetitivo para quem está habituado a ouvi-lo desde o final do ano passado, quando começou a reunir soldados nas cercanias da Ucrânia: a condenação de ameaças externas para enfraquecer e dividir a Rússia e acusações de que a Otan está criando ameaças.
Por que Putin agiu assim? É impossível saber. Talvez porque, no Dia da Vitória, não haja... vitória a ser anunciada na Ucrânia. A guerra se aproxima dos cem dias, Kiev, a capital não foi ocupada, seus soldados recuaram do norte do país e passaram a focar na tomada do Leste, há problemas de logística e resistência acima do esperado. Ou porque Putin talvez esteja, de novo, enganando o Ocidente, capacidade, aliás, que lhe é peculiar. Não esqueçamos que, enquanto seus diplomatas negociavam a paz, em 24 de fevereiro nas Nações Unidas, em Nova York, seus militares entravam na Ucrânia.