Política externa não rende votos no Brasil. Tampouco aparece como tema de debates na TV em períodos eleitorais. Ou você lembra de algum candidato à presidência, nos últimos pleitos, ter sido questionado sobre o que pensa sobre as relações internacionais?
Quando muito, os assuntos só aparecem puxados por algum político com o objetivo de polarizar a disputa, esvaziando a geopolítica e os interesses econômicos do país, reduzindo os discursos a questões como a demonização do ditador da Venezuela, o "fantasma" comunista da China ou a suposta subordinação do Sul Global ao imperialismo americano.
A fala do ex-presidente Lula à entrevista à revista Time reflete o distanciamento (da sociedade brasileira) e o desconhecimento (por parte dos políticos) das relações internacionais. Foi necessário que a pandemia de coronavírus e a guerra na Ucrânia lembrassem que o que ocorre fora das fronteiras brasileiras mexe, cedo ou tarde, com a nossa saúde e com o nosso bolso.
O pré-candidato do PT falou de geopolítica, ignorando a complexidade do cenário no Leste Europeu e os interesses envolvidos no conflito. Com algum esforço e boa vontade, até entende-se que Lula queria dizer algo do tipo "onde um não quer, dois não brigam", ao defender que os líderes de Rússia e Ucrânia deveriam ter sentado para conversar antes do início da guerra. Mas as palavras que saíram de sua boca foram que o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, é tão culpado quanto Vladimir Putin pela invasão de seu país pela Rússia. E, nisso, Lula está errado: no dia 24 de fevereiro de 2022, a Rússia, sob ordem direta do Kremlin, iniciou os ataques à Ucrânia e a invasão de um país independente e soberano, em clara violação do Direito internacional. Não foi a Ucrânia que começou a guerra. O primeiro tiro foi disparado por Putin.
A inabilidade de Jair Bolsonaro com o cenário internacional não é muito diferente, como mostrou sua visita a Putin uma semana antes do início do conflito, escolhendo o lado errado da História - para ficarmos em apenas um, entre tantos exemplos de gafes, erros estratégicos e falas inapropriadas sobre política externa durante seu mandato.
Políticos brasileiros falam sobre relações internacionais como se estivessem na mesa de bar, gesto que destoa do experiente e competente corpo diplomático brasileiro e cuja tradição, que remonta a Rio Branco e Rui Barbosa, é respeitada mundo afora. Em off, diplomatas costumam dizer que governos passam, o Itamaraty fica.
O que está por trás da fala de Lula? Um alinhamento que remete ao Brics, integrado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul, e fundado em 2006, no primeiro mandato do PT. Também uma tentativa de não ficar tão mal com a Rússia, caso ele seja eleito em outubro. E um certo ranço ideológico que remete ao discurso anti-imperialista do início dos anos 2000.