É um mau momento para o presidente Jair Bolsonaro se encontrar com Vladimir Putin. Em meio a uma das maiores crises entre Estados Unidos e Rússia no pós-Guerra Fria, a presença do brasileiro no Kremlin, em Moscou, passa um péssimo sinal não apenas para a Casa Branca de Joe Biden mas também para a Europa, onde está a maioria dos integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo de nações no qual o Brasil deseja ingressar.
A cortesia de Bolsonaro a Putin serve apenas aos dois. Com a derrota de Donald Trump, em 2020, nos Estados Unidos, o brasileiro ficou praticamente isolado na agenda conservadora. Tanto que, depois de Moscou, onde irá se encontrar com um líder que despreza a imprensa livre, anula a oposição e persegue homossexuais, Bolsonaro irá a Budapeste, visitar Viktor Orbán, outro protoditador da região.
Ainda que atenda aos interesses tanto do brasileiro quanto do russo, a visita, no caso de Bolsonaro, revela um cálculo político de alto risco. O presidente já é visto com ressalvas pela Casa Branca por seu apego a Trump, pela política ambiental predatória e pelo descuido com a democracia, duas das principais questões da atual administração americana. A viagem o distancia ainda mais dos interesses de Biden, que já chamou Putin de assassino e diante do qual não descarta uma reação militar imediata, caso haja a invasão da Ucrânia. Mas tem mais: para Putin, Bolsonaro é importante porque renderá fotos ao lado do líder do maior país sul-americano, área de influência dos Estados Unidos. Na guerra da propaganda, se o Ocidente tem a Ucrânia na mão nas barbas da Rússia, Putin tem, por aqui, a Venezuela, Cuba, o Brasil (ainda que apenas nas imagens) e a Argentina. Aliás, antes de Bolsonaro, que deve ficar no país entre 14 e 17 de fevereiro, Putin receberá também no Kremlin o presidente Alberto Fernández, a partir desta quinta-feira (3).
Em entrevista a jornais do centro do país no final de semana, representantes da comunidade ucraniana no Brasil disseram esperar uma visita também a Kiev, o que equilibraria a viagem. Mas ela não ocorrerá, ao menos no momento. Vale, no entanto, lembrar que o Brasil detém, no momento, uma das vagas não permanentes no Conselho de Segurança das Nações Unidas, a quem cabe defender princípios democráticos e a ordem internacional baseada em regras, bem como exercer um dos pilares de sua Constituição: "a autodeterminação dos povos, a não intervenção, a igualdade entre os Estados, a defesa da paz e a solução pacífica dos conflitos".