Repousa sob o gélido Mar Báltico a principal arma econômica e geopolítica capaz de frear os anseios de guerra entre Estados Unidos e Rússia por causa da Ucrânia: o gasoduto Nord Stream 2, um colosso de 1.225 quilômetros de tubulação que levou cinco anos para ser construído a um custo de US$ 11 bilhões.
Quando (e se) entrar em operação, a estrutura poderá dobrar a capacidade de envio de gás natural da Rússia para a Alemanha, chegando a 55 bilhões de metros cúbicos por ano. Hoje, o produto jorra para a Europa via o Nord Stream 1, finalizado em 2012, e por outro gasoduto, que corta o território da (adivinhem!) Ucrânia.
E por que essa é uma arma econômica e geopolítica na atual crise? Por vários fatores. O mais imediato é o fato de a maior parte do gás que é utilizado para aquecer os lares dos europeus e movimentar fábricas do continente vem da Rússia. Ou seja, se Vladimir Putin fechar as torneiras na origem, boa parte da Europa congela e sua economia paralisa. Mas haveria perda para os dois lados, uma vez que a Rússia também deixaria de ganhar a importante receita da exportação do produto.
Como instrumento de barganha, o Nord Stream 2 já tem sido usado. Os Estados Unidos têm dito que o gasoduto não será inaugurado se a Rússia invadir a Ucrânia. Não é certo o poder que os EUA teriam de decidir isso, uma vez que a abertura ou não do canal deve-se a reguladores europeus e ao governo da Alemanha, a outra ponta do gasoduto. A Alemanha, aliás, tem adotado uma postura ambivalente na atual crise: autoridades já disseram que nada está "fora da mesa", caso haja uma invasão da Ucrânia (inclusive o Nord Stream 2) até que essas são relações comerciais privadas (e não políticas), passando pela prefere o diálogo.
Mas a verdade é que a obra de engenharia nunca foi unanimidade. Os EUA sempre pressionaram o governo alemão, inclusive com sanções econômicas a empresas envolvidas no projeto. No entender da Casa Branca, o gasoduto deixa a Europa ainda mais dependente do Kremlin - o que é verdade. Para a Alemanha, o Nord Stream é importante porque bombeia gás direto para a Europa, reduzindo custo de outra via, que cruza a Ucrânia. O país do Leste Europeu, que agora é epicentro da crise, recebe 1,8 bilhões de euros de taxa de "trânsito" do gás por seu território. Ou seja, o Nord Stream, que desvia da Ucrânia, é um ótimo negócio também para a Rússia. No momento, a Europa discute o aumento do preço da energia, e a Rússia vem enviando gás abaixo do fluxo normal.
No aspecto doméstico, o Nord Stream também é polêmico. Os ambientalistas - lembre que agora o Partido Verde é governo - questionam como o projeto auxilia nas promessas do novo chanceler Olaf Scholz de combate às mudanças climáticas, enquanto alguns políticos se apegam ao argumento de aumento da dependência dos humores de Putin.
Alternativas? Há, porém, poucas. A Noruega, segundo maior fornecedor de gás natural da Europa, está na sua capacidade máxima de envio. E, pelo mundo, outras origens esbarram na dificuldade logística. Enfim, na mesa de negociações se haverá ou não guerra no Leste Europeu, o Nord Stream 2 pode ser a moeda chave de barganha.