Nos últimos dias, cresceram os indícios de que uma guerra na Ucrânia, entre tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a Rússia, se tornaram muito fortes.
Porém, há também sinais de que tudo não passa de movimentações de tropas para dissuasão e de muita gritaria de todos os lados.
A coluna preparou argumentos que indicam que um conflito militar no Leste Europeu é provável e porque isso, ao mesmo tempo, pode não ocorrer.
Indícios de que HAVERÁ guerra
O mais representativo indício da iminência de uma invasão russa da Ucrânia é o fato de o presidente Vladimir Putin ter posicionado desde o final do ano passado cem mil militares na fronteira da Ucrânia. Nos últimos dias, a Rússia também deslocou mais tropas e equipamentos para Belarus, país que divide com a Ucrânia mil quilômetros de fronteira. Essas mobilizações sugerem uma invasão em duas frentes. A Rússia nega. Diz, por exemplo, que a presença de tropas em Belarus é parte de um exercício conjunto.
Outro indício de uma provável invasão é o histórico. Em fevereiro de 2014, a Rússia invadiu a Ucrânia e anexou a seu território a Crimeia. A península é uma ligação estratégica para a Rússia com o Mar Mediterrâneo, o Mar Negro e os Bálcãs. O governo russo usou como desculpa para a intervenção o argumento de que estaria protegendo os cidadãos de etnia russa contra abusos cometidos pelas autoridades da Ucrânia. O Ocidente protestou, mas o fato é que foi obrigado a assistir, de braços cruzados, a anexação de um território por outro país, algo ilegal no Direito Internacional.
Há forte deslocamento de equipamentos militares dos países integrantes da Otan para o Leste Europeu. Nesta semana, o Reino Unido enviou para a Ucrânia, a bordo de aviões de carga C-17, sistemas de mísseis antitanque. A entrega emergencial conta com o apoio de militares britânicos que fornecerão aos ucranianos treinamento imediato sobre como usar o equipamento. Desde 2014, os EUA deram mais de US$ 2,5 bilhões em ajuda militar à Ucrânia. O apoio inclui foguetes antitanque Javelin e radares para reforçar as defesas aéreas. Nesta semana, Estônia, Letônia e Lituânia, integrantes da Otan, foram autorizados pelos EUA a enviar mísseis antitanque e outros armamentos americanos para a Ucrânia
Há inclusive indícios de que um conflito já começou, não por meios tradicionais, mas pela ação de desinformação. Na sexta-feira (14), uma série de ações de hackers retirou do ar sites do governo ucraniano. Antes que o site do Ministério do Exterior fosse derrubado, os invasores postaram ameaças: "Ucranianos, tenham medo e se preparem para o pior. Todos os seus dados pessoais foram tornados públicos", dizia a mensagem. O uso de desinformação, parte da chamada guerra híbrida, já foi habitual em ações em 2015 e 2017, além da invasão de 2014, e podem ser prenúncio do início do conflito.
Só pressão econômica, com sanções do Ocidente contra a Rússia, não está funcionando. Grande parte da economia europeia depende a importação de gás russo. Ou seja, há um limite à imposição de sanções, porque, em algum momento, elas podem prejudicar também a economia europeia. Sem gás comprado da Rússia, boa parte das fábricas europeias param.
Putin sabe que os EUA recuam a partir de um limite que eles próprios impõem. Em 2013, o governo Barack Obama, apesar de protestar, não atacou a Síria, quando o ditador Bashar al-Assad usou armas químicas contra sua própria população. E, mesmo em 2014, apesar dos gritos contra a invasão da Crimeia, não houve uma reação militar.
Indícios de que NÃO HAVERÁ guerra
A mobilização de tropas russas na fronteira com a Ucrânia pode ser apenas uma forma de Putin pressionar a Otan para impedir o avanço da aliança militar do Ocidente. Ou seja, uma forma de fazê-los esquecer de vez a ideia de tornar a Ucrânia membro da Otan - e, em nível político, no futuro, da União Europeia. Ambas as adesões são cada vez mais improváveis.
No fundo, os EUA não querem uma guerra - pelos custos políticos e econômicos. A Casa Branca recém retirou tropas do Afeganistão, após 20 anos de conflito - e saiu com a imagem arranhada pelo caos da retomada do poder pelo Talibã. Embora tradicionalmente presidentes americanos com baixa popularidade costumem "inventar" uma guerra para melhorar a aprovação, o presidente Joe Biden sabe que não conta com o apoio total dos europeus. Já titubeou, esta semana, por exemplo, ao dizer que "uma pequena incursão (dos russos)" pode provocar uma resposta menor. Sugeriu que os americanos e os aliados terão de "brigar sobre o que fazer e o que não fazer". Um conflito, em meio aos efeitos econômicos da pandemia de coronavírus, seria ainda mais desastroso para a retomada americana.
A diplomacia ainda está em ação - e, enquanto houver diálogo, não haverá guerra. Os últimos gestos engendram a intenção dos países europeus de abrirem uma nova frente de negociação própria com os russos - sem os EUA. O presidente francês, Emmanuel Macron, lidera a iniciativa, apontando que a Europa tem interesses próprios a zelar com a Rússia, como a questão do gás, e não deve ir a reboque dos americanos.
O próprio deslocamento de tropas russas para a fronteira pode servir mais como dissuasão do que como ameaça. Um ataque à Ucrânia por duas frentes pode dificultar incrivelmente a defesa ucraniana, mas não será um passeio. Os mísseis antitanque Javelin (que o país já tem) e os terra-ar Stinger (que planeja ter) podem impor às tropas russas pesadas baixas. Ou seja, a Ucrânia pode perder, mas a vitória russa teria alto custo.