A um primeiro olhar, poderíamos dizer que este é o ocaso da era Rodrigo Duterte. O presidente, que já foi chamado de "Bolsonaro das Filipinas" pelas promessas de tolerância zero com a criminalidade, chega ao fim do mandato de seis anos carregando nas costas a pecha de ditador, devido a sua política de combate às drogas que descambou para eliminação sumária de suspeitos. A polícia registra 8 mil execuções, mas organizações de defesa dos direitos humanos falam em pelo menos o dobro.
Sob a mão pesada de Duterte, a oposição foi calada, redações de jornais, sites e emissoras de TV foram invadidas pela polícia e jornalistas acabaram presos - entre eles Maria Ressa, editora-chefe do site Rappler e uma das personalidades mais críticas da imprensa filipina. Hoje, meios de comunicação independentes praticamente inexistem no país. O Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, na Holanda, viu, em 2020, evidências de crimes contra a humanidade no país.
Duterte sobreviveu a tudo isso e se tornou um dos principais expoentes da chamada "democracia iliberal", de outros líderes atuais, como Victor Orbán, da Hungria, e Vladimir Putin, da Rússia. Ele vive seus últimos dias de mandato. No entanto, o que seria o ocaso da era Duterte transformou-se em sobrevida com a eleição presidencial do dia 9.
O eleito, por si só, já vale atenção. É Ferdinand Marcos Jr., filho e herdeiro político do ex-ditador Ferdinand Marcos e da ex-primeira-dama Imelda Marcos, o clã que deixou o poder e fugiu do país após a revolução de 1986. O resultado oficial do pleito deve sair até o fim do mês, mas com mais de 90% das urnas apuradas, Marcos Jr., conhecido pelo apelido de BongBong, conquistou quase 30 milhões de votos. Seus oito adversários estão muito distantes. Ou seja, após 36 anos do fim do regime autoritário, a família Marcos, que roubou e empobreceu a população filipina, volta ao poder. Mais: em uma tentativa impressionante de negar a História, utilizando-se de redes sociais, Marcos Jr. criou uma narrativa segundo a qual todas as denúncias contra seu pai não passam de mentira ou "fake news".
Nas Filipinas, o cargo de vice-presidente é escolhido separadamente. E é aí que passado e presente se unem. Marcos Jr. indicou como sua favorita a filha de Rodrigo Duterte, Sara Duterte-Carpio, que foi eleita também com votação impressionante. Aliás, também negando, obviamente, as acusações que pesam sobre seu pai.
A aliança entre os dois só foi possível graças à promessa de que Marcos Jr. irá continuar com as políticas de Duterte e, principalmente, protegê-lo de eventuais pedidos de extradição por parte da Promotoria do TPI, de Haia. Duterte sai, mas fica por meio da filha. Marcos Jr. entra, mas não se sabe se governará de fato. Bem-vindos ao casamento político de dois clãs, os Duterte-Marcos.