A provável entrada de Finlândia e Suécia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e as ameaças de retaliação russas terão consequências para o mundo que irão além da guerra na Ucrânia ou do redesenho da segurança europeia. O degelo do Ártico devido ao aquecimento global aumentou a corrida pela ocupação militar do Polo Norte, uma área que se tornou um novo ambiente de disputa geopolítica e que, com o incremento das tensões entre Rússia e Ocidente, tende a se tornar palco de futuros conflitos.
Embora em campos opostos na atual crise europeia, Finlândia, Suécia e Rússia são parceiras no Conselho do Ártico, formado por oito países. O acordo não tem o mesmo peso do Tratado da Antártica, pelo qual apenas atividades científicas podem ser realizadas no Polo Sul, mas tenta dar algum grau de limite às ambições dos governos da região. Além do aspecto militar e estratégico, a área, com o degelo, permitirá novas rotas marítimas mais econômicas para navios mercantes e a exploração de riquezas naturais, como gás, petróleo e urânio.
Fiquemos apenas no quesito militar. A Rússia, que detém maior parte da costa para a região do Ártico, costuma usar a área para campo de tiro e experimentos com seus mísseis hipersônicos. Em um eventual ingresso da Finlândia e Suécia na Otan é de se esperar que o país de Vladimir Putin também desloque para a área suas armas nucleares.
Antes protegidos por um paredão de gelo, os russos estarão mais vulneráveis com o derretimento do mar - no Estreito de Bering, por exemplo, o território russo e americano (no Alasca) ficam separados por apenas 80 quilômetros. Não à toa, a Rússia detém no Ártico sua mais poderosa frota. Em 2019, um submarino russo, o Losharik, sofreu um incêndio a bordo no Mar de Barents, que matou 14 marinheiros, enquanto circulava próximo à costa norueguesa. Não se sabe o que fazia ali, mas, de alguns anos para cá, o Kremlin intensificou os exercícios navais no Ártico. Em setembro de 2021, 8 mil soldados, 120 aviões e 50 navios participaram de uma operação.
Também não é incomum Otan e Rússia medirem forças na área. Em março deste ano, a aliança realizou treinamento na região, com 40 mil militares, 200 aeronaves e 50 embarcações. Detalhe sugestivo número 1: Finlândia e Suécia, mesmo ainda fora da Otan, participaram. Detalhe sugestivo número 2: a operação se chamou Cold Response (Resposta Fria).