O que ocorrerá com os defensores de Mariupol, que durante os 82 dias de guerra resistiram ao cerco russo, é uma das principais dúvidas de muitas sobre o futuro do conflito na Ucrânia.
Nas últimas horas, um acordo de cessar-fogo entre os governos ucraniano e russo permitiu a retirada de mais de 250 militares que estavam entocados na siderúrgica de Azovstal. Os feridos — pelo menos 50 — seriam levados para o Hospital de Novoazovsk, área ocupada pelas tropas do Kremlin. Outros 200 foram para Olenivka, região sob controle dos separatistas pró-Moscou, em Donbass.
Na melhor das hipóteses, poderão ser trocados por prisioneiros russos. Na pior, serão executados. Um meio-termo pode ser, quem sabe, um julgamento militar, de cartas marcadas e cujo desfecho certamente será a pena de morte ou, no mínimo, a prisão perpétua.
A mão pesada de Vladimir Putin deve se fazer sentir ainda mais impiedosa sobre os integrantes do chamado Batalhão Azov, de inspiração neonazista. Afinal, foi sob o argumento de "desnazificar" a Ucrânia que Putin embarcou na aventura da guerra, como se toda a estrutura governamental ucraniana fosse integrada por fascistas, o que não é verdade.
Esse grupo de militares, uma unidade especial da Guarda Nacional, lutou na Crimeia em 2014 e seguia em atividade desde então na linha de frente nas áreas separatistas de Donetsk e Luhansk. Já se sabe que, em relação a civis, Putin não costuma obedecer às normas e regras internacionais, como as Convenções de Genebra. Ele o fará em relação a militares? Pouco provável.
A situação no interior da siderúrgica era, havia semanas, insustentável. O governo ucraniano tentou dar caráter épico à retirada. O presidente Volodimir Zelensky disse que a Ucrânia precisa de seus "heróis" vivos. O comando militar afirmou que esses homens "ficarão para sempre marcados na história". Mas, na conta fria da guerra, a saída dos últimos defensores da cidade, ainda que graças a um ato nobre do governo para salvar vidas, leva o nome de rendição.
Fica para a história o simbolismo. Cercada, bombardeada sem piedade e ocupada, Mariupol tornou-se a Dresden dos nossos tempos. É difícil medir crueldade, mas lá, além dos atos de bravura em Azovstal, ocorreram alguns dos maiores massacres dessa guerra: como esquecer o ataque indiscriminado a um teatro, onde 300 e 600 civis morreram, e a chuva de bombas sobre uma maternidade, onde mulheres grávidas, com ferimentos na barriga, foram retiradas em macas em meio aos escombros?
A resistência na siderúrgica atrasou por alguns dias a queda total da cidade, que chegou, prematuramente, a ser anunciada em abril. Mariupol, de pé, era um importante porto no Mar de Azov. Destruída, ela consolida uma ponte terrestre entre o Donbass e a Crimeia. Assim, Putin pode dizer, hoje, que há uma continuidade territorial, pela primeira vez, entre a Rússia e a área ocupada em 2014.
A resistência acima do esperado em Mariupol também fez com que Putin retirasse forças de outros lugares para cerrar fogo e despejar sua ira sobre a cidade. É uma vitória importante em uma guerra de poucos triunfos para o Kremlin até agora.