Um dia depois das manifestações convocadas pelo presidente Jair Bolsonaro no Sete de Setembro, a imprensa internacional é um termômetro de como a crise institucional contribui para deteriorar ainda mais a imagem do Brasil no Exterior.
As manchetes das últimas 24 horas nos principais veículos globais, que desde a madrugada de terça-feira (7) salientavam o risco de ruptura institucional no Brasil, se juntam a uma série de episódios que, nos últimos anos, tem afastado investidores
A reação do governo aos incêndios na Amazônia e a política ambiental negacionista, o caos durante a primeira onda da pandemia, a demora para obtenção de vacinas contra a covid-19 e os ataques de Bolsonaro a líderes estrangeiros, como o presidente francês, Emmanuel Macron, e o argentino, Alberto Fernández, em ocasiões anteriores, ganharam grande destaque e contribuíram para o isolamento do Brasil em relação à comunidade internacional.
As manifestações do Dia da Independência foram acompanhados com lupa no Exterior. Mas o olhar não se resumiu aos episódios da terça-feira (7).
Nesta quarta-feira (8), a cobertura foca no contexto e na análise de riscos de ruptura institucional. BBC, por exemplo, destaca a frase do presidente na Avenida Paulista: "Só Deus me tira do poder", diz o título da reportagem (A frase exata é "Só Deus me tira de lá").
A foto que ilustra o texto mostra um manifestante versão verde-amarela do "QAnon Shaman", ativista com roupa de pele e com chifres que ficou conhecido nas cenas da invasão do Capitólio, o parlamento dos Estados Unidos, em 6 de janeiro.
No caso americano, o homem está preso e confessou, no último dia 3, ser culpado pelo crime de obstrução dos procedimentos do Colégio Eleitoral durante audiência de um tribunal de Washington.
No caso brasileiro, o manifestante aparece com as guampas, está sem camisa e está pintado com as cores da bandeira nacional.
O destaque à foto pela BBC e as preocupações com relação à realização das eleições no ano que vem no Brasil aparecem com frequência nas reportagens no Exterior, em comparação à tensão política americana em 2020. O ex-presidente Donald Trump, a quem Bolsonaro admira, questionava a legitimidade do processo eleitoral, exigia voto impresso e pôs em teste, como nunca na história, a mais tradicional democracia do planeta.
A agência de notícias Reuters, influente especialmente entre os setores econômicos (logo com impacto direto em potenciais investidores), traz em título: "Bolsonaro bate na Suprema Corte, chama a eleição de 'farsa', enquanto apoiadores se manifestam".
As comparações com Trump também aparecem: a Reuters cita a detenção, no aeroporto de Brasília, do americano Jason Miller, ex-estrategista do presidente americano e criador da rede social Gettr, que pretende abrigar os principais representantes da direita global e que se autodenomina livre de qualquer forma de moderação por conteúdo falso. A ordem para detenção partiu do ministro do Supremo Alexandre de Moraes, a quem Bolsonaro elegeu como inimigo.
The New York Times, nesta quarta-feira (8), também destaca a detenção do ex-braço direito de Trump no Brasil. Na noite de terça, o jornal, ao resumir o dia de animosidades no país, pontuava o cansaço da população, em meio a preocupações como desemprego, inflação e pandemia. Também salientava como as manifestações do dia podiam ser o prelúdio de "tomada de poder".
Desde a madrugada, o foco era a preocupação da repetição das cenas da invasão do Capitólio, nos Estados Unidos. A comparação foi trazida também revista alemã Der Spiegel. The Guardian destacou a fala de um manifestante no momento da ocupação da Esplanada dos Ministérios: "Deus vai fazer você pagar por isso. Vocês, comunistas", direcionada a policiais.
A Medida Provisória assinada por Bolsonaro na véspera do Sete de Setembro e que dificulta a exclusão de conteúdos falsos por plataformas da internet, também foi abordada pela Spiegel. Trump, em ano eleitoral, também travou uma queda de braço com Twitter e Facebook, que, depois de muito permitir informações falsas disseminadas pelo presidente, passou a impedir a publicação de seus conteúdos. Até hoje, Trump está com as contas nessas redes sociais bloqueadas.
A maioria dos grandes jornais internacionais acompanhou os episódios da terça-feira (7) com atenção especial em Brasília e São Paulo. Mas mais do que os discursos de Bolsonaro, o enfoque das reportagens mostraram o contexto de crescente tensão entre os Poderes.
O francês Le Monde classificou os episódios do Sete de Setembro como "de alto risco".
The Guardian afirmou que Bolsonaro, a quem qualificou como "combalido líder brasileiro", busca projetar força "no pior momento de sua presidência". O jornal destacou o temor de que Bolsonaro pudesse pavimentar o caminho para um autogolpe, "por meio do qual tomaria poderes ditatoriais, fechando as instituições democráticas do Brasil".
Na América Latina, os dois principais jornais da Argentina destacaram as preocupações com a instabilidade institucional brasileira. La Nacion apontou que o objetivo de Bolsonaro é mostrar força em relação ao ex-presidente Lula, potencial adversário nas eleições do ano que vem. E também destacou a frase: "Só Deus me tira de lá", antecedida pelo alerta de "ameaça de golpe" contra a Corte.
O Clarín destacou o tamanho das manifestações em São Paulo, maiores do que as registradas anteriormente em apoio ao atual presidente. O jornal destaca mais espaço para o contexto da crise entre os Poderes, que tem, como marco zero, na avaliação do periódico, a reabilitação de Lula como possível candidato em 2022.