Fosse no sábado, dia 14 de setembro, o primeiro discurso do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) teria entrado para a história como o retorno dos americanos a uma posição de liderança global, após anos de isolacionismo de Donald Trump.
Mas não. Tradicionalmente, o mais importante fórum internacional, o encontro que reúne mais de 190 países em Nova York, ocorre em setembro. E, nesse pouco mais de um mês, o jogo virou para Biden.
A estagnação da campanha de vacinação nos Estados Unidos - nesse caso, mais por conta da herança negacionista de Trump, em especial nos Estados sulistas, do que por culpa do democrata - obscurece os resultados do combate à pandemia, que Biden tentou lançar luzes durante sua fala na Assembleia Geral, na terça-feira (21).
Depois de um início fenomenal da campanha, os Estados Unidos hoje perdem para o Brasil no quesito "pelo menos primeira dose". Em relação à imunização completa, os americanos estão atrás dos europeus e de alguns latino-americanos.
É verdade o que Biden falou: os EUA estão doando doses para países pobres, mas é verdade também que frascos com vacina estão com validade vencendo em várias cidades americanas.
A lua de mel do governo democrata com a comunidade internacional, iniciado com o retorno desde 20 de janeiro dos EUA aos fóruns multilaterais, como o Acordo de Paris, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e com a realização da Cúpula do Clima, em abril, foi ensombrecida pela desastrosa retirada militar do Afeganistão. O acordo com o Talibã foi obra de Trump, mas o fracasso da saída, com sensação de ter deixado para trás cidadãos indefesos diante da milícia fundamentalista, recaiu sobre Biden.
Por mais que os EUA tentem vender a ideia de que saíram quando quiseram, a História irá escrever que os americanos investiram trilhões de dólares - e perderam centenas de homens e mulheres militares - em uma guerra que foi ganha em semanas (em 2001), mas foi perdida em dias (em 2021).
Fica difícil para Biden falar, como falou na ONU, em reconstrução de alianças ou em evitar uma nova Guerra Fria (o americano não citou a China no discurso desta terça-feira), quando boa parte dos europeus se sentem apunhalados pelas costas (nas palavras dos franceses) diante do acordo fechado com a Austrália para a venda de submarinos nucleares sem aviso prévio. Por trás do interesse econômico, há a estratégia de conter o avanço da China na região da Ásia Pacífico.
Falando depois do presidente Jair Bolsonaro, que pintou um quadro do Brasil descolado em boa parte da realidade, Biden também não se furtou de apresentar um cenário mais colorido em seu país do que os fatos revelam.
Infelizmente, a ONU tornou-se palco de hipocrisias de um mundo de faz de conta. À direita e à esquerda.