Não é fácil equilibrar, em um único discurso, agrados à base eleitoral, fã dos pronunciamentos enraivecidos, e a necessidade de apresentar uma imagem conciliadora ao mundo de um país cuja reputação está gravemente erodida no cenário internacional.
Foi o que o presidente Jair Bolsonaro tentou fazer nesta terça-feira (21) no principal palco internacional, a tribuna da 47ª Assembleia Geral das Nações Unidas.
O Brasil chegou à ONU mais isolado do que nunca, com a imagem desgastada, diante do negacionismo do presidente em relação à ciência e à vacina contra o coronavírus, com 600 mil mortos de covid-19, e com histórico de desrespeito ao ambiente, com queimadas e desmatamento no Pantanal e na Amazônia.
Equilibrar os arroubos necessários para os aplausos da base ideológica com a postura de responsabilidade ficou a cargo do chanceler Carlos Alberto França e do secretário de Assuntos Estratégicos, almirante Flávio Rocha, os autores do texto do pronunciamento do presidente.
Bolsonaro iniciou sua fala, como de costume, pelo ataque. Como de hábito, criticou a imprensa, disse que o país estava à beira do socialismo, quando assumiu, e que agora apresenta ao mundo "um novo Brasil".
Mas logo a necessidade de se acomodar à nova realidade global, desde a posse do democrata Joe Biden nos Estados Unidos, se fez presente. O brasileiro fez uma mudança de 180 graus em seu discurso ambiental, em crenças demonstradas em falas anteriores na ONU. Agora, como já ocorrera na Cúpula do Clima, em abril, houve promessas de redução de gases do efeito estufa, que provocam o aquecimento global (algo que antes não era relevante), e de "emprego verde".
- O futuro do emprego verde está no Brasil - disse.
Em determinado momento, como um agrado aos Estados Unidos da era Biden, Bolsonaro convidou os líderes mundiais a visitarem a Amazônia.
Os trechos polêmicos voltaram a aparecer no final da fala, em que o brasileiro acusou os governadores por sucessivos lockdowns, que, segundo ele, teriam deixado como legado a inflação.
- Sempre prometi combater o vírus e o desemprego, de forma simultânea - afirmou.
Ele disse também que seu governo tem se colocado contra o passaporte sanitário, documento exigido por alguns países e autoridades locais para que se possa frequentar lugares fechados, como restaurantes e eventos - em Nova York, por exemplo, onde Bolsonaro não pode frequentar áreas internas do comércio por não ter se vacinado contra a covid-19. E voltou a defender tratamento precoce contra a covid-19, algo que não tem respaldo científico.
- Defendemos a autonomia do médico, com tratamento precoce. Eu mesmo fui um que fez uso do tratamento precoce - afirmou, ao dizer "não entender" a razão de "alguns países e grande parte da mídia se colocarem" de forma contrária.
Entretanto, sempre tentando equilibrar o discurso responsável com a fala radical, afirmou que o país investiu US$ 40 bilhões em programas de geração de emprego e renda. Ao citar os números da vacinação no país, afirmou uma inverdade, ao dizer que sempre defendeu a vacina. O próprio exemplo do presidente, que vangloriou-se no dia anterior, com o premier britânico, Boris Johnson, de não ter recebido a imunização, testemunha o contrário.
Em outro ponto, Bolsonaro afirmou que em 7 de setembro, houve "a maior manifestação da história" em apoio ao seu governo. Não é verdade, outras manifestações anteriores no Brasil contaram com maior participação - caso das Diretas Já, dos protestos de junho de 2013 e pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Apesar dos ataques, dos três discursos feitos até agora pelo presidente na Assembleia Geral das Nações Unidas, este foi o mais moderado. Ou, melhor dizendo, o menos agressivo.
Foi também o mais curto: 12 minutos. No primeiro, em 2019, falou por 32 minutos. No segundo, no ano passado, foram 14 minutos.