Um novo desenho de Europa começará a ser rabiscado no próximo domingo, 26. A eleição legislativa alemã, que encerrará a era Angela Merkel no poder, iniciará um ciclo de transição que, para a União Europeia (UE), só será concluído em abril de 2022, com a disputa presidencial na França. Há muita coisa em jogo nesse hiato de tempo em que Alemanha e França, dueto que comanda o bloco político e econômico do Velho Continente, estarão decidindo os nomes de seus novos e novas comandantes.
Quando Gerhard Schoröder passou o cargo de chanceler da Alemanha para Merkel, em 2005, o 11 de Setembro já ocorrera, experimentáramos a Guerra ao Terror (aliás, Schröder fora um gigante contra o conflito no Iraque, sem provas de que Saddam Hussein detinha armas de destruição em massa), mas novas sombras se levantavam sobre o Velho Continente.
A crise econômica global de 2008 produziu ondas que se propagaram até resultar no cataclismo de 2010. A agrura da zona do euro colocou à prova a unidade do bloco, e os efeitos são sentidos até hoje. A política de socorro costurada por Merkel gerou insatisfação entre espanhóis, portugueses, italianos e gregos, que tiveram de se submeter às políticas de austeridade impostas como contrapartida para a liberação de ajuda financeira. Ao mesmo tempo em que garantiu, assim, apoio doméstico diante dos austeros alemães, a governante aprofundou a divisão Norte-Sul na Europa, abismo ainda visível hoje, em meio à pandemia no plano de recuperação pós-covid.
A crise econômica e a leva de refugiados que chegaram ao continente a partir das guerras no Iraque e na Síria criaram o combustível perfeito para fenômenos como o Brexit e a ascensão da extrema direita. O divórcio britânico não foi possível evitar, mas graças em parte a Merkel, a fratura do bloco foi estancada, quando Polônia e Hungria abraçaram o populismo e o ultranacionalismo. Não é exagero dizer que a UE só não se dissolveu graças à habilidade política da chanceler, de sua capacidade de diálogo e de um pragmatismo que atingiu resultados concretos sem discursos agressivos ou demonstrações de força desnecessários.
Enquanto na França, tudo indica, veremos a repetição do duelo entre forças de centro (na tentativa de reeleição de Emmanuel Macron) e da extrema direita, de Marine Le Pen, na Alemanha, a disputa ocorre entre polos diferentes que aprenderam a conviver, embora adversários: a União Democrata-Cristã (CDU, de Merkel) e o Partido Social Democrata (PSD) governam em aliança desde 2005. Essa foi uma parceria que Merkel não dispensou, ainda que tenha tentado se afastar em 2017, buscando os Verdes e o Partido Democrático Liberal (FDP).
A uma semana da eleição, o socialdemocrata Olaf Scholz, atual vice-chanceler e ministro das Finanças, tem vantagem entre três e cinco pontos sobre o conservador Armin Laschet, correligionário de Merkel na CDU. Há dúvidas sobre a Europa que virá a partir da vitória de qualquer um dos dois. Merkel não deixará o cargo imediatamente após a eleição. Um arranjo no parlamento pode levar semanas ou meses, e a repetição da dobradinha que garantiu estabilidade à Alemanha em particular e à Europa em geral não é improvável.