Observadores internacionais já estão acostumados a ler relatórios e notícias da imprensa sobre o comportamento do governo brasileiro em relação aos quase 600 mil mortos de covid-19, à gestão em relação à vacina contra o coronavírus, ao negacionismo da ciência e os altos e baixos da política ambiental.
Ao menos em um aspecto, a partir da experiência empírica do presidente Jair Bolsonaro e delegação em Nova York, desde segunda-feira (20), é possível compreender, aos olhos de analistas no Exterior a posição oficial brasileira em relação à vacina contra a covid-19 e a quem diverge de sua opinião - leia-se a reação de ministros aos protestos, com gestos obscenos pouco habituais a comitivas internacionais em Manhattan.
O pronunciamento de Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral ONU, no qual apresentou dados inverídicos sobre sua postura em relação à vacinação e defendeu práticas não chanceladas pela ciência - como o tratamento precoce -, repercute nesta terça-feira (21) na imprensa global.
The New York Times, o mais influente jornal dos Estados Unidos, destacou no título o fato de o presidente brasileiro ser o único entre os chefes de Estado e governo das 20 maiores economias do planeta a não ter se vacinado: "Não vacinado e desafiador, Bolsonaro recua contra críticas no discurso na ONU". O texto afirma que o presidente de extrema-direita do Brasil disse que os médicos deveriam ter mais margem de manobra para administrar medicamentos não testados para a covid-19", acrescentando que ele próprio "estava entre aqueles que se recuperaram após tratamento 'off-label'" (uso de medicamentos que não seguem indicações homologadas para aquele fármaco, caso da hidroxicloroquina).
O jornal contextualizou a fala do presidente, ao explicar como Bolsonaro lidou com a pandemia no país: "O presidente do Brasil liderou uma das respostas mais criticadas do mundo à pandemia. Bolsonaro minimizou repetidamente a ameaça que o vírus representava, criticou medidas de quarentena e foi multado por se recusar a usar máscara".
Outro importante jornal americano, The Washington Post, também destacou em título o fato de o presidente não ter se vacinado contra o coronavírus: "Brasileiro não vacinado Bolsonaro parece quebrar o 'sistema de honra' para vacinação da ONU durante seu pronunciamento". As Nações Unidas, cuja sede é considerada território internacional, não barrou a entrada de líderes não-vacinados durante o evento, mas pediu que todos os participantes estivessem imunizados, no que chamou de "sistema de honra". Bolsonaro, que não se vacinou no Brasil, também dispensou a oferta feita pela ONU, que disponibilizou vacinação para integrantes de delegações que quisessem receber as doses.
Também em território americano, a rede CNN (em inglês) descreveu Bolsonaro como "isolado mas desafiante", pintando um quadro pouco espelhado na realidade sobre a pandemia e a situação climática.
The Guardian, do Reino Unido, afirmou no título de seu texto: "Bolsonaro promove 'tratamento precoce' contra a covid em discurso", chamando-o de "figura controversa" durante a pandemia, por ter minimizado a gravidade do coronavírus e por ter se recusado a receber a imunização.
O português Diário de Notícias destacou no título: "Estávamos à beira do socialismo", frase o presidente pronunciou logo no início do pronunciamento. O jornal também salientou que o presidente teve um "discurso radical" e avaliou que Bolsonaro tentou agradar, sobretudo, a sua base de apoio interna.
O argentino Clarín fez uma leitura mais focada na próxima eleição brasileira: "Jair Bolsonaro apontou contra Lula em seu discurso na ONU - 'Brasil estava à beira do socialismo'", ao descrever "negacionismo evidente".