Em Guantánamo, território pertencente aos Estados Unidos em uma baía na ilha de Cuba, o governo do então presidente americano George W. Bush criou em 2002 um centro de detenção que contou, em um primeiro momento, com 598 membros do Talibã e da rede Al-Qaeda suspeitos de terrorismo capturados no Afeganistão.
Aí começaram os problemas. Como a Guerra ao Terror era algo abstrato, qualquer pessoa poderia ser presa em qualquer lugar do mundo e levada para Guantánamo sob acusação de terrorismo.
A questão é que, sob o marco do direito internacional e de qualquer democracia, um suspeito detido deve ser apresentado a uma autoridade judicial, ter direito à ampla defesa e ser apresentado perante um juiz. Isso não ocorria (e segue não ocorrendo) com quem estava (está) preso em Guantánamo, área que os EUA consideravam (consideram) à margem de seu sistema jurídico.
Mas ok, como se tratava de uma Guerra ao Terror, pode se imaginar que, como em qualquer conflito armado, os cativos são prisioneiros de guerra. Sendo assim, poderia se imaginar que os presos de Guantánamo estariam protegidos pelas Convenções de Genebra. Uma vez que o governo americano considera que o conflito no Afeganistão terminou, afinal, as tropas voltaram para casa, o período de privação de liberdade desses suspeitos também teria acabado. Afinal, as leis internacionais garantem que os prisioneiros em um conflito armado só serão mantidos detidos durante o tempo que durar a guerra. Também não ocorreu com os 39 internos que ainda estão lá.
Os mais de 780 prisioneiros que passaram por Guantánamo desde 2002 estiveram (estão) em um limbo jurídico - sem acusação formal, sem direito a um advogado e vulneráveis à "técnicas de interrogatórios não convencionais", leia-se tortura. Não à toa, a Anistia Internacional considerou o centro de detenção "um gulag dos novos tempos".
O macacão laranja que vestem os detentos serve de propaganda para extremistas, e foi aproveitado como símbolo pelo grupo terrorista Estado Islâmico para executar seus reféns.
Quatro presidentes passaram pela Casa Branca, mas nenhum até agora conseguiu fechar o centro de detenção. Nem Barack Obama, para o qual essa era uma promessa de campanha.
Agora, não apenas o local não foi fechado, como uma nova unidade pode ser aberta. Em meio ao agravamento da crise de imigração na fronteira com o México, o governo de Joe Biden anunciou a abertura de licitação para reativar um centro de detenção de migrantes em Guantánamo. O edital afirma que o centro terá população diária estimada em 20 pessoas, mas o prestador de serviços deverá ter condições de erguer instalações temporárias para abrigar até 400 migrantes em um "evento de pico".
O Departamento de Segurança Interna afirma que não enviará a Guantánamo migrantes que estão entre os milhares acumulados em um acampamento improvisado sob uma ponte no Texas. Mas a simples intenção de reabrir a unidade naquele que ficou inscrito, assim como Abu Ghraib, na história da infâmia americana na Guerra ao Terror do século 21 já acende o alerta.