Imagem é tudo.
Que o dia o Brasil nesses tempos em que o discurso do presidente Jair Bolsonaro repercute - mal -, palavra por palavra, imediatamente em Manhattan, aqui, no Sudão ou na China. Mas falemos dos Estados Unidos.
Uma das primeiras derrotas do governo Donald Trump veio por meio das cenas de crianças filhas de pais migrantes ilegais detidas, separadas das famílias e enjauladas nos grotões americanos. Trump, aliás, baniu do território dos Estados Unidos pessoas procedentes de sete países de maioria islâmica. Embora o argumento fosse questões de segurança, que fique claro, os interesses políticos estavam acima das ameaças propriamente ditas: afinal, foram excluídos cidadãos procedentes de Irã, Iraque, Síria, Líbia, Sudão e Iêmen, mas não de Arábia Saudita e Egito, de onde vieram vários dos membros da rede Al-Qaeda que atacaram os EUA em 11 de setembro de 2001.
Mas voltemos às imagens. Se Trump colocou crianças em prisões, o governo Joe Biden dá de relho em haitianos. As imagens são impressionantes: agentes americanos na fronteira entre Estados Unidos e México montados a cavalo foram flagrados usando rédeas para ameaçar os migrantes próximo a um acampamento em Del Rio, no Estado do Texas, no domingo (19). Um dos brutamontes, com chapéu de caubói, desenrolou uma corda semelhante a um laço a agitou perto do rosto de um homem, conforme flagrantes feitos pela agência de notícias Reuters.
As imagens repercutem em meio à decisão do governo Biden de deportar 14 mil haitianos do Texas para seu país de origem, o mais pobre do continente, palco também de furacões, terremotos, inundações e do colapso institucional.
A política migratória americana é um fracasso. Nem democratas nem republicanos sabem como lidar com ela. Mas a sensação, diante das promessas de Biden na campanha de uma reforma (que levou milhares de descendentes de migrantes a votarem no democrata), é de que desilusão. Pode-se dizer que não houve tempo necessário para a reforma - são apenas oito meses no poder -, mas, no mínimo, lhe falta compaixão.
Aliás, a desilusão com Biden é sentida em vários campos. Se Trump era conhecido pela deslealdade com que lidava com aliados, retirando tropas da Síria e deixando leais peshmergas na mão que encararam os terroristas do Estado Islâmico em batalhas no deserto, agora diante da truculência de Bashar al-Assad, com Biden o sentimento começa a ser semelhante. Biden está sendo visto como pouco confiável. Os europeus ainda não engoliram a retirada das tropas americanas do Afeganistão sem que fossem consultados adequadamente. O episódio do acordo para a transferência de tecnologia de submarinos com propulsão nuclear para Austrália é encarado como uma facada pelas costas pela França, que conversava para venda dos aparelhos convencionais ao país da Oceania.
Com relação aos imigrantes, de fato, os Estados Unidos não têm como receber todos que tentam cruzar a fronteira - nem haitianos, nem salvadorenhos, nem brasileiros. Mas Biden chegou à Casa Branca com a promessa de que teria mais compaixão, diferentemente de Trump.
Em além-mar, se a China é encarada como ameaça para amigos dos americanos, como a Austrália, seus mais novos clientes, para a Europa, a Rússia representa o mesmo. Não que os Estados Unidos tenham que desempenhar o papel de protetores do mundo. Mas, da mesma forma, que, no mínimo, que não lhes falte coerência.