O Brasil pode superar os Estados Unidos em termos de vacinação contra a covid-19 com ao menos uma dose dentro de 28 dias, se o ritmo da imunização nos dois países continuar como o registrado neste momento.
A projeção, feita a pedido da coluna pelo professor Álvaro Krüger Ramos, do Departamento de Matemática Pura e Aplicada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), leva em consideração a perceptível queda no ritmo da campanha de imunização em território americano. De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), o número diário de doses aplicadas, que vinha aumentando gradualmente e chegou a ultrapassar 3,3 milhões, tem caído nas últimas semanas e apresentava na quarta-feira (21) 516 mil. O Brasil registrava 1,3 milhão nesse dia.
A perda de tração americana sugere que o país atingiu o teto da vacinação. A resistência, que ocorre principalmente no interior dos Estados Unidos, deve-se a questões culturais. Há grupos negacionistas (que questionam a existência do vírus e, logo, a necessidade de vacina), existem pessoas que não se imunizam por temer efeitos colaterais, potencializados por notícias falsas. Existem aqueles que ainda preferem esperar mais tempo até receber sua dose. E há ainda comunidades carentes que, por causa de seu histórico, não confiam em vacinas em geral ou no sistema de saúde americano. Muitos jovens, especialmente entre 18 e 26 anos, também sentiram que a covid-19 não é algo que lhes afeta e estão menos ansiosos para receber a dose. Algumas pesquisas indicam que, nos Estados Unidos, a resistência às vacinas é maior entre eleitores do Partido Republicano e moradores de áreas rurais.
Vacinação diária nos EUA
Vacinação diária no Brasil
A situação preocupa autoridades. "A campanha de vacinação nos EUA está perdendo ímpeto e é essencial recuperar isso", escreveu em uma rede social o médico Eric Topol, fundador do centro de estudos Scripps Research Translational Institute, que vem acompanhando o ritmo da imunização. Nesta quinta-feira (29), o presidente Joe Biden disse que há "uma pandemia entre os não vacinados", lembrando que a enorme maioria dos novos casos e óbitos pela doença vem ocorrendo entre quem não foi imunizado.
Segundo o site Our World in Data, da Universidade de Oxford, 55,86% da população americana recebeu ao menos uma dose. Pelo cálculo realizado pelo professor Krüger, o Brasil (que registra 45,27% da população com ao menos uma dose) superaria os Estados Unidos quando chegássemos a 58,6% da população imunizada com ao menos uma dose, dentro de 28 dias. O professor salienta que a projeção é abstrata, porque supõe hipótese como manter as tendências de vacinação de julho a longo prazo, o que depende de variantes como a continuidade de compra e fabricação dos produtos e sua distribuição aos Estados, entre outras.
Vacinação no mundo
Outros países desenvolvidos, após a aceleração inicial, também enfrentam estagnação no ritmo da vacinação. É o caso de Israel, onde 66,46% da população recebeu ao menos uma dose, mas também parece estar perto do teto. Pelo cálculo do professor Krüger, se os ritmos seguissem assim, o Brasil superaria Israel dentro de 52 dias, quando atingirmos 70,6% da população imunizada com ao menos uma dose.
A pedido da coluna, o professor também incluiu no cálculo comparativo outras nações líderes. O Brasil superaria o Canadá, por exemplo, em 68 dias (quando atingirmos 78,3%). E o Reino Unido, em 62 dias, ao chegarmos a 75,4%. No caso de Uruguai, Chile e Emirados Árabes Unidos, nações que estão bem à frente na corrida pela vacinação, seria matematicamente impossível alcançarmos ou a meta seria irrealista.
O otimismo de Krüger ampara-se, além dos dados matemáticos, no fato de o Brasil ter uma cultura histórica de vacinação e na qualidade e amplitude do Sistema Único de Saúde (SUS).
Alexandre Schwarzbold, presidente da Sociedade Riograndense de Infectologia (SRGI) e professor de Infectologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), confirma a tendência de, nos próximos meses, o Brasil conseguir uma cobertura vacinal maior do que a de países desenvolvidos.
- Historicamente, esses países do Hemisfério Norte têm cobertura vacinal menor. O Brasil tinha, até pouco tempo, a terceira maior cobertura vacinal do mundo com outras vacinas e temos uma resistência menor à imunização - explica.
Schwarzbold alerta, no entanto, para o grande recuo na cobertura vacinal brasileira de 2015 para cá, problema que foi agravado com a pandemia. Conforme a Sociedade Brasileira de Imunização (SBIm), em 2020, vacinas oferecidas para crianças com até um ano, como febre amarela, hepatite B para bebês de até 30 dias, e a segunda dose da tríplice viral, registraram índices de 50,11%, 54,27% e 55,7%, respectivamente. Os dados são piores do que no ano anterior. O professor salienta que a meta mínima a ser considerada, nesses casos, é de 90% da população alvo imunizada. No caso do coronavírus, acredita-se que 70% da população com as duas doses seria suficientes para garantir imunidade coletiva.
Cenário é preocupante com relação à segunda dose
O médico pondera que a velocidade de aplicação da segunda dose deve ser menor do que a primeira. Essa preocupação já aparece no cálculo de Krüger. No Brasil, além de apenas 16,86% da população ter completado o esquema vacinal - nos EUA, esse percentual chega a 48,41% -, o país também possui a terceira menor taxa de aplicação de segundas doses - acima dos Estados Unidos e de Israel, mas abaixo dos outros, todos com índice de retorno acima de 70%.
- O que significa que não alcançaríamos os outros países no ponto mais fundamental, que é o de completar a vacinação de sua população - alerta Krüger.
Só as duas doses - ou a dose única do produto da Janssen - garantem imunização completa.