Até meados de abril, o Canadá era notícia entre os países mais ricos do mundo pelo mau exemplo em termos de vacinação contra a covid-19.
Parecia ter feito o tema de casa. Inicialmente, a nação garantiu o maior número de potenciais doses dos imunizantes per capita do mundo. Assinou acordos com sete fornecedores de vacinas, visando um total de mais de 400 milhões de doses - muito mais do que o necessário para vacinar com duas doses o total de sua população (38 milhões de habitantes).
Mas, como apostou em fabricantes europeus, com medo de que os Estados Unidos então sob o governo Donald Trump proibissem as exportações, o país demorou a receber os lotes - os laboratórios na União Europeia tiveram dificuldades de cumprir datas, acabou sendo o bloco econômico quem ameaçou com proibições de vendas, enquanto lutava para vacinar sua própria população.
Resultado: em fevereiro, o Canadá aparecia em 40º lugar na classificação global de doses de vacina aplicadas por cem pessoas.
O jogo começou a virar a partir de uma bem sucedida estratégia do governo a partir do momento em que as vacinas começaram a chegar. O primeiro-ministro Justin Trudeau, que havia sido duramente criticado pelos lapsos de distribuição, assumiu pessoalmente a organização da logística, arquitetando com os governadores das províncias a campanha nacional- é importante lembrar que o país tem enormes distâncias territoriais e é um dos menos povoados do mundo.
Além de vontade política, o governo colocou em ação uma estratégia ousada: vacinar o maior número de pessoas possível com a primeira dose, adiando a segunda. Isso foi feito com os dois produtos inicialmente aprovados, Pfizer e Moderna.
Assim, conforme o monitor da Universidade de Harvard, a nação foi ultrapassando as demais, que estavam na dianteira da vacinação. Nesta segunda-feira (14), o Canadá registra 64,73% da população imunizada com ao menos uma dose, mais do que Estados Unidos, Reino Unido, Chile e até do que Israel, que por meses vem sendo exemplo de sucesso de cobertura vacinal.
Com a tática de apostar tudo na primeira dose, o país blindou boa parte da população das novas infecções por coronavírus. Só depois de dar a largada com Pfizer e Moderna e de ter uma boa cobertura vacinal com primeira dose é que o governo começou a utilizar outros produtos. Quando surgiram casos esporádicos de formação de coágulos pelo uso do imunizante de Oxford/AstraZeneca, a agência de saúde canadense (equivalente à Anvisa) autorizou inclusive que as pessoas usassem vacinas diferentes nas primeiras e nas segundas doses - algo proibido no Brasil.
No início de maio, o Canadá aprovou o uso da vacina da Pfizer para adolescentes de 12 a 15 anos.
- É um esforço de equipe em nível federa, provincial e local. E temo suma capacidade impressionante de administrar vacinas muito rapidamente - disse Isaac Bogoch, membro da força-tarefa de vacina covid-19 de Ontário à CBC News. - Então, à medida em que as vacinas estão realmente chegando, podemos colocá-las nos braços dos cidadãos muito, muito rapidamente. É isso o que estamos fazendo.
A ordem é algo do tipo: "Vamos vacinar o máximo de pessoas o mais rapidamente possível". Isso implicou uma colaboração de diferentes setores de saúde pública, farmácias, redes de atendimento primário e a instalação de grandes centros de vacinação em massa, como ginásios e centros de vacinação.
A cultura da população também faz a diferença. Uma pesquisa realizada em março mostrou que 77% dos entrevistados estavam muito dispostos a receber a vacina. Em maio, oito em cada 10 diziam que gostariam de se vacinar o mais rapidamente possível.