A vacina russa Sputnik V contra a covid-19, que foi rejeitada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nesta segunda-feira (26), é utilizada em pelo menos 63 países, segundo levantamento do jornal americano The New York Times.
Primeiro imunizante a ser anunciado contra o coronavírus, em 11 de agosto do ano passado, o produto desenvolvido pelo Instituto Gamaleya, ligado ao Kremlin, enfrentou por meses forte ceticismo em países do Ocidente - em boa parte devido à tradicional falta de transparência russa. Eu mesmo escrevi uma coluna, no dia do anúncio da descoberta, afirmando que "em tempos de nova 'Guerra Fria' era preciso ficar com os dois pés atrás com a vacina".
As dúvidas científicas foram desfeitas a partir da divulgação dos resultados dos testes pelo periódico de medicina The Lancet, uma dos mais respeitados do mundo, que comprovaram segurança e eficácia da vacina. No entanto, a oposição em termos políticos segue. Em março, veio a público um documento do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos em que o governo americano admite ter usado suas relações diplomáticas nas Américas para dificultar a compra de lotes da Sputnik V pelos países do continente.
O balanço de atividades do órgão é de 2020, ainda durante o governo Donald Trump. Joe Biden assumiu em 20 de janeiro. Mas sabe-se que a visão do governo americano que entende a Rússia como adversária estratégica é um dos poucos assuntos que une tanto republicanos quanto democratas. Biden, por exemplo, já qualificou o presidente russo, Vladimir Putin, como assassino, em entrevista recente à ABC News. Em abril, a Casa Branca impôs sanções à Rússia por suposta interferência em eleições americanas e por uma operação de ataque virtual que conseguiu acessar dados de agências governamentais dos EUA.
Diante de um olhar sobre a lista de países que aplicam a Sputnik, é possível perceber algumas características.
São, em geral, países pobres, com exceção da Hungria, única nação da União Europeia a adotar o produto russo.
Muitos têm forte componente governamental de questionamento à hegemonia americana e pregam, como Putin, a chamada "democracia iliberal", casos da própria Rússia e da Hungria.
Outros têm forte influência política russa ou histórico de relações comerciais, casos de Belarus, Síria, Sérvia, Cazaquistão e Territórios Palestinos e alguns países africanos, como Angola e República Democrática do Congo.
Chama a atenção que alguns países que utilizam a Sputnik V estão entre os que mais vacinam no mundo - como Emirados Árabes Unidos, Sérvia, Vietnã e Hungria.
Na América Latina, com exceção do Paraguai, que tem um governo de direita, todos os demais que utilizam o produto russo são de esquerda - Argentina, Venezuela, Bolívia e México. Embora o governo Putin não tenha nada a ver com esquerda (e a Rússia hoje em dia não seja nada "comunista"), os Estados Unidos veem a presença russa na América Latina com preocupação (assim como a chinesa) porque entendem a região como sua área de influência. Sputnik V é o grande trunfo geopolítico de Putin.
Os países que utilizam a Sputnik, segundo The New York Times, em ordem alfabética
Argélia, Angola, Antígua e Barbuda, Argentina, Armênia, Azerbaijão, Bahrein, Belarus, Bolívia, Bósnia, Camarões, Cazaquistão, Congo, Djibuti, Egito, Emirados Árabes, Eslováquia, Filipinas, Honduras, Gabão, Gana, Guatemala, Guiné, Guiana, Hungria, Índia, Irã, Iraque, Jordânia, Laos, Líbano, Macedônia do Norte, Mali, Marrocos, Ilhas Maurício, México, Mianmar, Moldávia, Mongólia, Montenegro, Namíbia, Nepal, Nicarágua, Paquistão, Autoridade Palestina, Panamá, Paraguai, Quênia, Quirguistão, San Marino, São Vicente e Granadinas, Sérvia, Ilhas Seychelles, Síria, Sri Lanka, Tunísia, Turcomenistão, Uzbequistão, Venezuela, Vietnã, Zimbábue.