O que os 12 jurados (sete mulheres e cinco homens) decidiram nesta terça-feira (20) no julgamento do ex-policial Derek Chauvin se converte em um divisor de águas na história da luta racial no mundo em geral e nos Estados Unidos em particular.
Após ouvirem 40 testemunhas, escutarem os argumentos de defesa e acusação e, por infinitas vezes, reverem a cena do grito "Eu não consigo respirar", enquanto George Floyd tinha o pescoço prensado, por nove minutos e 29 segundos, os jurados deram o veredicto: Chauvin, 44 anos, branco, com 14 anos na corporação, foi considerado culpado pelo assassinato e condenado por homicídio com intenção de matar, mas que não foi premeditado. A sentença deve ser anunciada em até oito semanas – ele pode pegar até 40 anos de reclusão.
A decisão é emblemática porque Floyd escancarou, com seu sofrimento e morte, as entranhas do racismo estrutural no país das lutas pelos direitos civis, de Martin Luther King, e do primeiro presidente negro da história americana, Barack Obama. A violência policial contra negros e outras minorias é a face mais visível do racismo nos EUA, uma chaga social, que tem, entretanto, outros muitos braços. Só enquanto o caso era julgado, houve outras duas vítimas. Adam Toledo (mexicano-americano), 13 anos, foi morto em Chicago baleado por um policial mesmo após levantar as mãos, e Daunte Wright, afro-americano de 20 anos, foi morto a tiros em Minnesota, a menos de 20 quilômetros da cena da morte de Floyd, em uma abordagem de trânsito.
Quantos outros abusos policiais ocorreram nos Estados Unidos nesse período e não foram contabilizados? Só em mortes, dos mil óbitos pela polícia a cada ano no país, 40% são de negros desarmados.
E aqui no Brasil? O próprio Rio Grande do Sul teve seu George Floyd brasileiro, o aposentado João Alberto Silveira Freitas, espancado e morto por seguranças brancos (um deles, policial militar temporário que fazia bico) na saída do supermercado Carrefour, no ano passado, em Porto Alegre.
No caso dos EUA, a morte de Floyd gerou as maiores mobilizações populares, lideradas pelo movimento Black Lives Matter, em décadas. Os protestos extrapolaram as divisas do Estado de Minnesota, chegaram a Washington, e cruzaram o Atlântico, com protestos em várias cidades da Europa. O crime ocorreu durante o fim do mandato de Donald Trump, um presidente racista, que apoiou explicitamente movimentos supremacistas brancos. Mas, sabemos, embora responsável por aprofundar as divisões da América, Trump não é o único culpado por imagens infames que, volta e meia, os EUA legam à História por seu segregacionismo. É uma luta antiga cujo capítulo Floyd contribui como um dos mais nefastos.
A decisão dos jurados pressionará Joe Biden a agilizar reforma do sistema policial. Um levantamento do The New York Times constatou que, desde maio do ano passado, mais de 140 novas leis de supervisão e reforma da polícia foram aprovadas em 30 Estados. Em nível federal, no entanto, um projeto no Senado está parado. No país polarizado politicamente, a maioria dos americanos defende medidas de reforma policial e maior supervisão das abordagens, inclusive com o uso de câmeras.
Que a morte de Floyd não seja em vão.