Há exatos três meses e um dia, o negro George Floyd foi assassinado com requintes de crueldades, asfixiado pelo joelho de um policial branco, enquanto o seu rosto era pressionado contra o asfalto de uma rua em Minneapolis, Estado americano de Minnesota.
O episódio deflagrou as maiores manifestações contra o racismo em décadas, dentro e fora do território americano. Os ativistas exigem reforma policial - e em alguns casos a extinção de corporações.
Pouco ou nada aconteceu de mudança real em leis e regimentos policiais da morte de Floyd para cá. E o resultado é mais um novo caso, tão revoltante quanto o daquele 25 de maio: desta vez, o também negro Jacob Blake, baleado com sete tiros pelas costas, na frente dos três filhos, em Kenosha, Wisconsin, quando apartava uma briga entre mulheres.
O tema do racismo estrutural nas corporações policiais é uma verdade inconveniente para os Estados Unidos em geral e para Donald Trump em particular. Obviamente, não é só culpa do atual presidente que, a 10 semanas da eleição, pretendia, a esta altura, surfar na onda dos bons números da economia e, desde a morte de Floyd, tem a reeleição ameaçada pelas manifestações e pelo coronavírus e seus 175 mil mortos no país.
Não, o racismo está longe de ter surgido na era Trump - nem Barack Obama, o primeiro presidente negro da história dos EUA, conseguiu resolver. Mas Trump fez e faz de tudo para legitimar - e muitas vezes acirrar - o segregacionismo, chaga aberta na sociedade americana. Prova disso é que, um dia antes do aniversário de três meses da morte de Floyd, os estrategistas da campanha republicana chamaram o casal Mark e Patricia McCloskey a discursar na convenção do partido, que ocorre esta semana. Foram tratados como heróis pelos aliados do presidente, desde que empunharam um fuzil e uma pistola em direção a manifestantes em frente a sua casa em St. Louis, em junho.
- Não importa onde você more, sua família não estará segura na América dos democratas radicais - disse Patricia.
Os dois americanos brancos, empunhando armas, são, na verdade, símbolo de um país dividido. E, como em toda nação polarizada, os símbolos servem apenas para lastrear versões: Mark e Patricia diziam que se sentiam ameaçados pelos ativistas negros, enquanto jantavam no jardim de sua casa, propriedade privada, e que estariam no direito de defendê-la. Os manifestantes afirmam que a passeata era pacífica e que o casal reagiu com truculência. Na Justiça, Mark e Patricia respondem por uso ilegal de armas de fogo.
O impacto que as novas cenas de violência racial terá na eleição está, infelizmente, refém das narrativas dos dois partidos. Trump deve usar o abuso policial contra Blake para reforçar a mensagem de "lei e ordem" contra os protestos, para agradar aos eleitores de sua base, que só veem nas manifestações baderna e caos. Ele quer mostrar que cidades e Estados com prefeitos democratas permitem saques, incêndios e mortes.
A fala dos McCloskey cola na narrativa de que os manifestantes são marxistas, socialistas, que querem desmantelar os bairros suburbanos. Por essa lógica, os governos nas mãos da oposição (como os de Wisconsin e de Minnesota, palcos da truculência contra Blake e Floyd) são responsáveis pela sensação de insegurança endêmica, que acaba expondo as forças policiais, conduzindo a episódios de violência. Por isso, seria necessário armar mais a polícia e os cidadãos.
A maioria da população americana apoia as manifestações e entende que há racismo dentro da polícia. No caso Blake, o candidato democrata Joe Biden afirmou que "os tiros perfuram a alma da nação" e pediu que os policiais sejam responsabilizados. Mas as luzes da eleição estão sobre Trump, que conduz nesta quarta-feira (26) o penúltimo dia da convenção republicana. O que dirá?