Ameaça, medo, insegurança. Esse foi o subtexto do primeiro dia de convenção do Partido Republicano, na tentativa de alavancar a candidatura de Donald Trump ao segundo mandato. Ameaça, medo e insegurança que vêm da China, de criminosos, de terroristas e do desemprego. E, na narrativa dos estrategistas do presidente, os Estados Unidos estarão mais vulneráveis a esses inimigos se os democratas, capitaneados por Joe Biden, voltarem à Casa Branca. A coluna destaca cinco pontos sobre o primeiro dia do evento.
1 Lembra que comentei aqui que as convenções partidárias nos Estados Unidos servem para lançar novos nomes, as apostas da legenda para o futuro? Citei como Barack Obama, em 2004, era um senador pouco conhecido nacionalmente, que falou na convenção que ungiria John Kerry candidato àquele pleito, como, quatro anos depois, ele chegaria à presidência. Pois é, nesta convenção, os republicanos parecem ter apostado em Nikki Haley como futuro nome do partido para disputar a presidência. Ela foi governadora da Carolina do Sul e embaixadora dos Estados Unidos na Organização das Nações Unidas. Falou no primeiro dia da convenção, que costuma ser o mais morno. Tem tudo para ser candidata presidencial em 2024. Adota um discurso do "America First" de Trump alguns graus abaixo do nível de contundência - é mais moderada, ao gosto dos caciques do partido, porém sem deixar de lado as críticas à China.
2 Desde o primeiro dia ficou claro que Trump será onipresente. Não é comum. O candidato normalmente só fala no quarto e último dia da convenção _ o ápice do evento. Mas o presidente transgrediu essa tradição. Discursou na segunda-feira e o fará nesta terça, quarta e, claro, na quinta - este último, dos jardins da Casa Branca. Além da primeira fala, Trump apareceu "entrevistando" profissionais de saúde que estiveram na linha de frente da covid-19. Ficou visível a impaciência do presidente ao ouvi-los. Trump não é um homem adepto de escutar o interlocutor por mais de dois minutos. Prefere falar.
3 Dois membros da família Trump foram destacados para as primeiras noites da convenção: Donald Trump Jr., o filho mais velho, que falou na segunda-feira, e a primeira-dama, Melania Trump, que discursa hoje. Trump Júnior não tem o mesmo poder de comunicação do pai. Foi escalado para compor a infantaria dos ataques a Biden, a quem acusou de não dar atenção à classe trabalhadora dos Estados Unidos _ o que é verdade, o discurso do democrata deixou esse flanco aberto na semana passada, durante a convenção. Trump tem no Meio Oeste americano, berço da indústria dos EUA, sofrido em razão da crise econômica de 2008, uma de suas bases eleitorais.
4 - Entrando na parte de "humanizar" a convenção - tanto republicanos quanto democratas apreciam essa estratégia de comunicação -, houve dois momentos importantes. Ambos para defender o porte de armas - direito garantido pela Constituição americana. O primeiro deles foi participação de Andrew Pollack, pai de uma jovem morta em um tiroteio em uma escola de Parkland, Flórida, em 2018. Ele contou a história da família e, ponto alto, disse que as leis de controle de armas "não tiveram nada a ver com isso". O atirador responsável pelo ataque havia sido expulso do colégio por indisciplina, lançou bombas de fumaça, disparou com fuzil e matou 17 pessoas _ entre elas, Meadow, filha de Andrew. O outro momento de "humanizar" a convenção foi do casal McCloskeys, aqueles que apontaram um fuzil e uma pistola contra manifestantes do BlackLivesMatter, em St. Louis, no final de junho. Mark e Patricia disseram que as comunidades americanas serão dominadas pelo crime e pela ilegalidade se Biden vencer.
- Não importa onde você more, sua família não estará segura na América dos democratas radicais - disse Patricia.
O casal responde a processo por uso ilegal de arma de fogo.
5 O pano de fundo da convenção republicana tem como base os mesmos pilares postulados pelo evento democrata, só que com uma visão diametralmente oposta à dos rivais. Se para os democratas Trump no poder significa a escuridão, para os republicanos o lado sombra é representado por Biden. Se para a oposição o presidente republicano agiu mal durante a pandemia, para os seguidores de Trump na mão dos rivais teria sido uma catástrofe. São sintomas da nação polarizada, fenômeno que se acentuou ainda mais depois da eleição de 2016. Trump se fortalece na divisão, no discurso do confronto e do acirramento de ânimos. A narrativa da convenção republicana adota o tom nacionalista: terra de heróis, prometida, de oportunidades e de grandeza. Nesta terça-feira, as estrelas da convenção serão, além de Melania, o secretário de Estado, Mike Pompeo (mais críticas à China), a ativista antiaborto Abby Johnson, e o estudante Nicholas Sandmann, que ficou conhecido após discutir em um protesto e processar a imprensa por difamação.