Os casos George Floyd, em Minneapolis, e João Alberto Freitas, em Porto Alegre, se assemelham muito, como já escrevi aqui. A abordagem, a violência, as táticas de imobilização mostradas em imagens em vídeos, a falta de ar da vítima, o racismo.
O trabalhador negro americano asfixiado pelo joelho de um policial em 25 de maio levou a protestos em mais de 200 cidades nos Estados Unidos e no Exterior. Mas o que mudou desde então?
Sua morte reforçou a luta do movimento negro, houve a troca de nomes de rua (a 15th Street, em frente à Casa Branca, em Washington, por exemplo, foi rebatizada para BlackLivesMatter Plaza), anunciantes se mobilizaram contra mensagens de ódio nas redes sociais, e debates sobre a reforma da polícia e suas práticas afloraram. Veja algumas das mudanças.
Estátuas escravocratas
Monumentos escravocratas em várias partes do mundo foram depredadas em meio aos protestos contra a morte de Floyd. No Reino Unido, manifestantes derrubaram a estátua do traficante de escravos Edward Colston (1636-1721). Sua empresa levou mais de 100 mil negros da África para Américas e Caribe. Na Bélgica, várias estátuas do rei Leopoldo II, sanguinário colonizador da República Democrática do Congo, foram manchadas com tinta vermelha. Nos EUA, estátuas de líderes confederados, que defendiam a escravidão na Guerra da Secessão (1861-1865) foram depredadas. Autoridades têm defendido que pretendem removê-las. Na Virgínia, o governo retirou a estátua do general Robert E. Lee, em Richmond. No Alabama, uma estátua do almirante confederado Raphael Semmes também foi removida.
Fuga de anunciantes
A campanha Stop Hate for Profit, lançada por grupos de direitos civis após a morte de Floyd, conclamou empresas a suspender anúncios que propagassem fake news ou mensagens racistas. Posts do próprio presidente americano, Donald Trump, foram classificados como incitação à violência, uma vez que ele deu a entender que a polícia poderia atirar nos manifestantes contrários ao assassinato de Floyd. Desde o início da campanha, em junho, mais de 160 grandes corporações se comprometeram em suspender anúncios em Twitter e Facebook (dono do Instagram e WhatsApp) diante de denúncias de racismo.
Por trás da campanha estão Liga Antidifamação (ADL), Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP), Color of Change, Free Press, Common Sense e a plataforma online Sleeping Giants. Várias gigantes atenderam ao pedido de boicote, como Pepsi, Coca-Cola, Unilever, The North Face, Unilever e outras, que deixaram de colocar dinheiro em propaganda online por um período. A campanha acusa a rede social de "amplificar as mensagens dos supremacistas brancos". Empresas como L'Oreal prometeram retirar termos como "branqueador" e "clareamento" de seus produtos.
Táticas policiais
O Conselho de Minnneapolis (espécie de Câmara de Vereadores) aprovou no dia 5 de junho projeto para acabar com o uso de estrangulamentos e contenção no pescoço. A regra determinará que policiais relatem imediatamente qualquer uso não autorizado da força por outro agente de segurança. Na Califórnia, o governador Gavin Newsom disse que impediria uma agência estadual de treinamento de polícia de ensinar uma técnica de contenção que envolve a restrição da artéria carótida, responsável pela circulação de sangue na cabeça. A técnica deixa a vítima inconsciente e pode levar à morte. Em Nova York, o governador Andrew Cuomo também propôs proibir a tática. O presidente Trump disse que "de modo geral" apoia a proibição da tática, mas disse que em alguns casos o método é necessário.
Os acusados
O policial Derek Chauvin, que apareceu com o joelho no pescoço de George Floyd, responde por homicídio em segundo grau (assassinato intencional não premeditado, quando o autor tem intenção de causar danos corporais à vítima) e assassinato em terceiro grau (quando se considera que o responsável pela morte atuou de forma irresponsável e imprudente. Ele foi detido em 29 de maio, quatro dias depois do episódio. O ex-policial ganhou liberdade em 7 de outubro após pagar fiança de US$ 1 milhão (R$ 5,6 milhões). Ele não pode voltar ao trabalho policial nem se aproximar da família de Floyd. Outros três policiais, também demitidos após o caso Floyd, estão presos e responderão a acusações de cumplicidade na morte. São eles J. Alexander Kueng, Thomas Lane e Tou Thao. Os três também foram presos e aguardam julgamento em liberdade, após pagamento de fiança de US$ 1 milhão. A família processa a cidade de Minneapolis por negligência no episódio.
Reforma policial
A morte abriu uma discussão na cidade sobre o racismo no departamento de polícia de Minneapolis. Nove dos 13 membros da Conselho Municipal se comprometeram no dia 7 de junho em desmantelar a corporação e criar um novo sistema de segurança pública liderado pela comunidade. O prefeito Jacob Frey se opõe. O sindicato policial da cidade, comandado por Bob Kroll, é próximo de Trump. Há iniciativas na câmara de buscar recursos destinados à polícia sejam redirecionados para financiar outras estratégias comunitárias. Há o entendimento de que a ideia de não ter um departamento de polícia não é aplicável no momento.
Em nível federal, Trump assinou um decreto para estimular mudanças nos padrões de comportamento da policia. Mas foi pouco, porque não tem caráter de lei nem ordem. Quem cumprir receberia mais recursos do governo federal. Em nível federal, o Congresso iniciou um debate sobre lei para reformar sistema policial nos EUA, a partir de uma proposta de lei elaborada por membros do Partido Democrata. A lei prevê proibição de estrangulamentos e outras táticas de abordagem violenta. Outro ponto da proposta é o fim da imunidade qualificada, espécie de excludente de ilicitude que oferece respaldo legal a policiais quando alguém morre sob sua custódia.
Em Nova York, o prefeito Bill de Blasio prometeu reverter parte do orçamento da polícia a serviços sociais. O governador Andrew Cuomo, o principal rival de Trump, disse que pretende aprovar um conjunto de reformas que incluem a disponibilização pública de registros disciplinares da polícia, a proibição de estrangulamentos e a criminalização de chamadas de emergência à polícia baseadas em aspectos raciais de possíveis suspeitos.