Qual será o impacto na América Latina diante da reeleição de Donald Trump ou no caso de vitória de Joe Biden?
Para responder a essa pergunta, a Rede Argentina de Profissionais para a Política Externa (RedAPPE) convidou pesquisadores em relações internacionais de vários países da região para avaliarem os reflexos da eleição americana por aqui. O resultado é um dossiê (disponível aqui) que discute aspectos econômicos, políticos e de segurança nas relações entre os EUA, potência hegemônica na região, e o restante do continente americano.
Dois brasileiros estão no grupo de analistas - Guilherme Thudium e Augusto Dall'Agnol, do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (Isape), com sede em Porto Alegre.
A seguir, um resumo por tema.
Venezuela, Cuba e Nicarágua
O diretor do Mestrado em Economia e Política Internacionais da Universidade San Andrés, Federico Merke, afirma que, em um segundo mandato, Trump estaria livre das pressões domésticas para a reeleição e poderia vir a exercitar sua capacidade de negociação buscando algum diálogo com o governo de Nicolás Maduro. Apesar de um discurso mais conciliador, Biden não deve mudar muito a retórica do governo em relação à Venezuela, na opinião do pesquisador.
- Quem sabe, abandone a retórica de mudança de regime e se concentre em mitigar os danos e abrir espaço para o diálogo - afirma.
Alejandro Frenkel, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires, afirma que um segundo mandato de Trump continuará com uma política de confronto não só com a Venezuela, mas também com Nicarágua e Cuba. No caso de Biden no poder, o professor aponta uma política de distensão com o regime cubano e uma saída negociada para o impasse venezuelano.
Segurança
Para Julieta Zelicovich, doutora em Relações Internacionais pela Universidade Nacional de Rosário, a região não foi prioridade da agenda externa de Trump - quando foi se restringiu a temas de segurança (narcotráfico e migração). Ela vê a campanha de Biden como mais "flexível" ao tema da migração.
- A campanha eleitoral tem mantido a América Latina em um lugar marginal - explica.
Professora do Departamento de Estudos Internacionais do Instituto Tecnológico Autónomo do México, Natalia Saltalamacchia concorda e considera que, independentemente do resultado da eleição, a América Latina não se converterá em prioridade da agenda da Casa Branca.
- Nos próximos anos, a região será afligida por grandes problemas econômicos, o aumento da pobreza e dos conflitos políticos e sociais. Isso implica que aparecerá na agenda mais como fonte de problemas do que de oportunidades - diz.
China
A contenção do avanço do gigante asiático nas economias da região, que os EUA consideram sua área de influência, é o principal tema da agenda externa americana. Ganhe quem ganhar, esta é a prioridade.
- Maior envolvimento dos EUA em grandes obras de infraestrutura regional e realocação de empresas multinacionais na região serão, sem dúvidas, novos temas de agendas - explica Esteban Actis, doutor em Relações Internacionais da Universidade Nacional de Rosário.
Sua colega de universidade, Florencia Rubiolo, pontua que diante do crescimento da influência chinesa na região, Trump ou Biden terão como prioridade a reconstrução dos vínculos com a região e a consolidação de iniciativas que permitam recuperar o terreno perdido.
- Enquanto Trump seguramente continuará com um tônica mais confrontativa, baseada em ameaças e sanções e explorando quebras regionais, Biden imprimirá um estilo mais diplomático - afirma.
Tecnologia 5G
Para Guilherme Thudium, presidente do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia e doutorando em Estudos Estratégicos Internacionais na UFRGS, o lema "America First", de Trump, colocou a América em último lugar como prioridade estratégica. Ele reforça o interesse em contenção da China, destacando no artigo a construção de novas redes de tecnologia 5G.
- A eventual vitória de Biden representaria um novo regresso ao multilateralismo e uma mudança de retórica, mas devem continuar as estratégias de interesse nacional, como a contenção da China e o tema venezuelano - explica.
Migração e ambiente
O tema da cooperação sobre o meio ambiente pode ser uma plataforma para relançar as relações com o hemisfério, segundo Michael McCarthy, doutor em Ciência Política pela Universidade Johns Hopkins.
- Muito provavelmente, a ideia de um plano "Aliança para o Progresso 2.0" pode ser a ferramenta selecionada para buscar soluições a longo prazo no tema da imigração e os problemas fronteiriços com a América Central e com o México - argumenta.
Merke destaca que, no caso de Biden ganhar, temas como ambiente, energias renováveis e direitos humanos ganharão importância na região.
Augusto Dall'Agnol, vice-presidente do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (Isape) e doutorando em Estudos Estratégicos Internacionais na UFRGS, destaca que em caso de vitória de Biden, países latino-americanos que estão ubilicalmente associados à gestão Trump – caso do Brasil – serão vistos internacionalmente como Estados párias.
Uma nova gestão Trump, segundo ele, pode oferecer um cenário que permita mais ganhos em termos de desenvolvimento aos países sul-americanos.
– Mas, para que isso ocorra, é necessário buscar ao máximo uma inserção pragmática em detrimento de um alinhamento automático aos EUA – diz.