A cada campanha eleitoral, os Estados Unidos costumam ter uma notícia-bomba capaz de, em algumas semanas, mudar o jogo político, liquefazer previsões de analistas e jogar incertezas sobre o dia do pleito. Em 2016, as suspeitas de uso de e-mail particular pela candidata democrata Hillary Clinton, então secretária de Estado americana e com isso pôr em risco a segurança nacional, embaralharam os últimos dias da disputa. Agora, em 2020, a morte da juíza progressista Ruth Bader Ginsburg e a indicação, no sábado, da conservadora Amy Coney Barrett pelo presidente Donald Trump retira, em parte, o foco dos debates sobre pandemia, economia e racismo e o coloca sobre uma batalha legal pela sua aceitação ou não pelo Senado.
Pelas próximas semanas, até o dia 3 de novembro, todo americano se auto intitulará "especialista" em Direito Constitucional, arvorando-se o direito de pregar teses e mais teses sobre a legalidade e a moralidade da indicação de uma magistrada para a Suprema Corte pelo chefe do Executivo a quatro meses de deixar o poder. De bate-pronto: é ilegal um presidente "pato manco", como são chamados nos EUA os que estão em fim de mandato, nomearem magistrados da Suprema Corte quando estão de saída da Casa Branca? Não. É imoral? Muitos acham que sim. Ainda mais em se tratando de um presidente que busca a reeleição e que tem dito que irá recorrer aos tribunais, caso perca o pleito. Isso porque, na prática, Trump pode estar indicando o nome de quem será o responsável, lá na frente, por julgar se ele irá ou não permanecer mais quatro anos no cargo.
A manobra, ao contrário do que se pode pensar, é feita às claras. O próprio Trump tem admitido a estratégia e trabalhado, junto com a liderança do Partido Republicano no Senado, exercida por Mith McConnell, para que a escolha seja feita o mais rápido possível, a tempo de Barrett trabalhar na eleição. Se o Senado aprovar seu nome, a atual corte terá seis juízes conservadores e três progressistas, uma ampla margem para apoiar as contestações de Trump no pleito.
Por isso, as luzes agora estão sobre o Capitólio, onde os republicanos são maioria _ mas não por muita diferença: 53 a 47 (contando aqui os dois independentes, que votam com os democratas). Dois senadores republicanos manifestaram oposição à indicação de uma magistrada pouco tempo antes da eleição. Mesmo que esses votem contra o partido, ainda faltariam aos democratas reverter o voto de outros quatro adversários. Praticamente impossível.
A polarização sobre a confirmação ou não do nome de Barrett também chama a atenção para a eleição do próprio Senado. No pleito de 3 de novembro, está em jogo a renovação de 35 cadeiras na Casa - 23 hoje pertencem aos republicanos e 12 aos democratas. Caso os democratas consigam conquistar cinco a mais, terão maioria no Senado. Nos Estados, candidatos ao Senado se digladiam em torno do tema. Democratas em Estados visivelmente conservadores, como Colorado, devem ter dificuldade para atrair o voto moderado depois do apoio de Trump a Barrett. Já nos Estados onde há divisão do voto, como Arizona e Carolina do Norte, a polarização aumenta as chances do partido. Uma pesquisa do Instituto Pew, mostra que a composição da Suprema Corte é a terceira preocupação hoje dos eleitores - 64%, atrás apenas da economia (79%) e acesso à saúde (68%). Isso porque não apenas eles podem decidir o nome do futuro presidente _ como ocorreu em 2000, a favor de George W. Bush, contra Al Gore, mas porque atrás do nome indicado estão temas do dia a dia dos americanos, como aborto, porte de armas, imigração e união LGBT.