Ícone liberal, uma das maiores magistradas que os Estados Unidos já tiveram, Ruth Bader Ginsburg, ou simplesmente RBG, como era conhecida, merecia descansar em paz - ou ao menos ter seus três dias de reverências sem que seu lugar já fosse alvo de disputas e intrigas políticas. Mas quis o destino que a juíza mais à esquerda da Suprema Corte, símbolo da defesa da igualdade jurídica para as mulheres e dos direitos LGBT, morresse a pouco menos de 50 dias da eleição presidencial e em meio a um país rachado ideologicamente. Assim, Ginsburg não terá descanso nem mesmo quando seu corpo for sepultado no famoso cemitério de Arlington, arredores de Washington, entre esta sexta-feira (24) e sábado (25).
Nas próximas horas, o presidente Donald Trump deve cumprir a promessa de anunciar um nome para o lugar vago na mais alta instância jurídica americana _ as mais cotadas são as conservadoras Amy Coney Barret e Barbara Lagoa. Ambas cristãs, alinham-se ao presidente em temas como direito a armas, aborto e imigração. Barbara ajuda um pouco mais - é filha de pais que fugiram do governo comunista de Fidel Castro. Sua indicação dá vantagem a Trump na Flórida, um dos swing states.
A morte de Ginsburg permite ao presidente desviar os holofotes da campanha de temas que lhes são espinhosos, como os mais de 200 mil mortos por coronavírus, a crise econômica gerada pela pandemia, os abusos policiais e o racismo, trazendo o foco para o salão no qual Trump baila com maestria: as disputas ideológicas. A Suprema Corte é formada por nove juízes _ são cinco conservadores e três progressistas (a quarta era Ginsburg). A balança já pesava para os republicanos. A futura magistrada - o presidente já disse que indicará uma mulher _ aumentará a diferença.
Mas por que a morte de Ginsburg e a sua sucessora viraram campo de batalha da eleição? Por dois motivos principais. Primeiro porque tudo indica que a disputa eleitoral não acabará na noite do dia de 3 de novembro. Trump tem dado sinais claros de que, se perder por uma margem pequena, não irá reconhecer a derrota.
- Isso (a eleição) deve acabar na Suprema Corte - disse ele, na quarta-feira.
Também lança dúvidas frequentes sobre a integridade do processo eleitoral, dizendo, sem apresentar provas, que a ampliação do voto pelo correio, por causa da pandemia, levará à fraude. A hipótese de que a Suprema Corte irá definir o nome do próximo presidente se concretizará se o resultado da votação em algum Estado não for reconhecido por um dos partidos - o que é bem provável. O caso mais conhecido foi em 2000, quando os dados finais da votação na Flórida foram questionados. Ao final de várias semanas em que os EUA ficaram sem saber quem seria seu próximo presidente, o tribunal decidiu, por 5 votos a 4, pela vitória de George W. Bush contra Al Gore. A Corte seguiu a cartilha: os cinco juízes indicados pelos republicanos votaram a favor de Bush, e os quatro indicados pelos democratas, deram razão a Al Gore. Em 2020, se a Suprema Corte estiver completa até a eleição em uma provável decisão judicial, tudo indica que Trump teria, no tribunal, uma votação de seis a três contra Joe Biden.
A segunda razão que explica por que a substituição de Ginsburh tomou de assalto a campanha são as dúvidas morais de um presidente nomear uma juíza a algumas semanas da eleição e a quatro meses de encerrar o mandato. Em 2016, Barack Obama foi impedido pelo Senado de ver passar o substituto para a vaga deixada por Antonin Scalia. O democrata estava a sete meses de entregar o cargo. A maioria republicana no Senado que impediu Obama, por considerar a indicação imoral, deve fazer passar o nome que Trump indicar. É o famoso dois pesos, duas medidas. Ou, simplesmente, política.