"Segurança nacional" é um conceito elástico, que pode ser utilizado pelos governos para censura, prisão, eliminação de inimigos e até tortura. Pois esse é o argumento que a Casa Branca alega ao anunciar a decisão, nesta sexta-feira (18), de proibir que os aplicativos TikTok e WeChat sejam baixados nos smartphones nos Estados Unidos a partir de domingo (20): "O Partido Comunista da China mostrou que tem os meios e a intenção de usar esses aplicativos para ameaçar a segurança nacional, a política externa e a economia dos Estados Unidos", disse o Departamento de Comércio.
A briga é antiga e já expliquei aqui, aqui e neste vídeo ilustrativo de três minutos.
Há dois níveis de análise: o primeiro, mais visível, é que o governo Donald Trump fez da questão TikTok seu cavalo de batalha na guerra comercial com a China. O argumento de que o governo comunista utiliza-se das empresas para espionar, roubar dados e tentar influenciar a política (e a segurança) dos Estados Unidos vale para todos os setores nos quais os chineses estão engajados - no Brasil, as pressões pró e contra Huawei são a face mais visível.
Por mais que as empresas detentoras do TikTok, a ByteDance, e do WeChat, a Tencent, neguem compartilhar dados de seus usuários (e do governo americano) com Pequim, há uma névoa de desconfiança. Em geral, companhias chinesas têm uma estreita relação com o Partido Comunista. Os âmbitos civil e militar não são dissociáveis. Logo, é possível, sim, que elas compartilhem dados de usuários, incluindo atividade de rede, localização, históricos de navegação com o regime chinês – aliás, se empresas americanas, como o Facebook, venderam dados para uma consultoria política, em 2016, para facilitar a vitória de Trump, o que esperar de empresas com eventuais elos com um regime autoritário como o chinês?
O segundo nível de análise é histórico. A guerra comercial entre EUA e China (em que o TikTok é apenas a parte mais visível) tem como pano de fundo a ameaça que o dragão oriental representa para a hegemonia americana. No século 20, os Estados Unidos se tornaram a grande potência mundial, a partir da Segunda Guerra. A queda da URSS e o fim da Guerra Fria elevaram o país à posição de superpotência indiscutível. O mundo como o conhecemos foi ditado pelo America Way of Life, da cultura aos organismos internacionais. Mas essa ordem global é questionada pela China, segunda maior economia do mundo a caminho de se tornar, segundo o FMI, a primeira a médio prazo. O eixo global se desloca para o Oriente, e o declínio do império americano é anunciado por alguns pesquisadores de Relações Internacionais. Barrar o avanço chinês é a principal preocupação dos governantes americanos e, nisso, republicanos e democratas estão unidos – talvez, apenas nisso.
"Segurança nacional" foi o argumento usado pelo governo americano para a restringir direitos civis após os ataques de 11 de setembro de 2001, para justificar a Guerra ao Terror, a caçada a Osama bin Laden no Afeganistão, a invasão do Iraque, as prisões sem acusações formais de suspeitos de terrorismo em Guantánamo, o uso de "métodos não convencionais de inquérito" (tortura) para confissão em locais fora do território americano pela CIA, e, mais recentemente, para exigir a extradição de Julian Assange. Agora, esse argumento baseia a decisão de banir do país duas empresas.