Não é de hoje que grupos ligados a K-pop (estilo de música sul-coreana) têm se envolvido na política americana.
Quando a campanha de Donald Trump, em 8 de junho do ano passado, pediu mensagens para o aniversário do presidente, dia 14, muitos fãs de K-pop enviaram um grande fluxo de vídeos, fotos e textos de brincadeira.
Em maio deste ano, eles também se engajaram nos protestos raciais, depois da morte de George Floyd, em Minneapolis. Enviaram milhares de vídeos de K-pop para atrapalhar supremacistas brancos, que recuperaram a hashtag #WhiteLivesMatter (Vidas Brancas Importam, em oposição ao BlackLivesMatter, Vidas Negras Importam), buscando confundi-los e evitando que se encontrassem. É uma das especialidade dos chamados Kpoppers, que, de certa forma, estão treinados para esse tipo de ação na internet: organização de grandes grupos com um objetivo em comum, compra de ingressos, compra de 10 cópias de um mesmo produto para inflacionar os números nas paradas musicais e, segundo seus participantes, tudo com uma boa dose de zoação.
Não se sabe se as arquibancadas do BOK Center, durante o comício de Trump, em Tulsa, no sábado (20), ficaram parcialmente vazias por conta de mais uma ação política desses grupos, mas os usuários de TikTok e fãs do K-pop comemoraram em várias contas a traquinagem. Os organizadores da campanha pela reeleição do presidente esperavam 1 milhão de pessoas na arena e fora dela, em eventos paralelos. O público não passou de 6,2 mil, segundo o Departamento de Bombeiros de Tulsa (havia 19 mil lugares internos).
A “brincadeira” teria começado em 11 de junho, quando a campanha de Trump, o @TeamTrump, postou um tuíte pedindo que seus simpatizantes se registrassem gratuitamente usando seus telefones. Contas de fãs de K-pop começaram a compartilhar informações com seus seguidores, incentivando-os a se inscreverem no comício - e depois, não comparecer. A ideia migrou para o TikTok, onde vídeos com milhões de visualizações instruíram os usuários a fazer o mesmo. Um dos motivos da indignação é que o evento havia sido marcado, inicialmente, para o dia 19 - data do feriado de Juneteenth, emancipação dos escravos. Contra sua vontade, Trump acabou transferindo a data do comício para o sábado, 20.
Um dos indícios de como a história se tornou viral foi dado por Mary Jo Laupp, de Iowa, que revoltada com a decisão - e vento protestos de negros sobre o evento - gravou um vídeo e o publicou no TikTok com o plano: “Recomendo q todos aqueles que querem ver esse auditório de 10 mil lugares com pouca gente ou completamente vazio, ir agora se inscrever para obter os ingressos e deixar Trump ali sozinho no palco”, afirmou no vídeo.
No dia seguinte, ela tinha 17 mil curtidas e mais de 2 milhões de visualizações.
Alguns jovens teriam publicado fotos do seu bilhete de reserva para o comício que eles não pretendiam usar, enquanto dançavam ao som da música Macarena. O jornal The New York Times disse que muitas das publicações de incentivo ao boicote eram apagadas logo em seguida para não levantar suspeitas.
Quem deu o tom político ao tema, enquanto a campanha de Trump tentava entender o que havia deixado azul (cor das cadeiras e do Partido Democrata) as arquibancadas da arena, foi a deputada de oposição Alexandria Ocasio-Cortez:
- Na verdade, vocês foram simplesmente DERRUBADOS por adolescentes no TikTok que inundaram a campanha de Trump com reservas falsas de ingressos e os enganaram a acreditar que um milhão de pessoas queria seu discurso supremacista branco, o suficiente para encher uma arena durante uma pandemia. Um salve para os Zoomers (adolescentes da Geração Z), vocês me deixam orgulhosa.
A se confirmar a sabotagem, Trump terá mais um motivo para culpar os chineses. O TikTok foi criado pela ByteDance, uma das startups mais atrativas do mundo, que é chinesa. Os vínculos com o governo e as dúvidas sobre segurança de gados do app geram preocupação há meses entre autoridades americanas - tanto que o exército dos EUA proibiu seus soldados de terem conta no TikTok, ao argumentar que isso pode representar uma ameaça à segurança nacional. Dois senadores, Tom Cotton e Chuck Summer, chamaram os serviços de inteligência para avaliar a atividade do TikTok, alegando que poderia ser obrigado a apoiar e colaborar com operações de inteligência controladas pelo partido comunista chinês. O app tem um lado obscuro. O TikTok bloqueou vídeos que denunciavam a violação de direitos humanos na China, em particular com relação à situação da etnia Uigur na província de Xinjiang, onde mais de 1 milhão de pessoas são vítimas de encarceramento em massa.