O livro "The Room Where It Happened" ("A Sala onde aconteceu", em tradução livre) já é o mais esperado do ano nos Estados Unidos.
Escrita por John Bolton, ex-assessor de Segurança Nacional e um dos falcões da Casa Branca, a obra de 577 páginas que o governo tenta evitar que seja publicada (inicialmente, o lançamento está previsto para o próximo dia 23) traz revelações bombásticas sobre os bastidores do governo americano.
A mais grave seria como Donald Trump teria pedido à China apoio para se reeleger, nas eleições de novembro de 2020. Mas há outras, que comprometem as relações entre o secretários (cargo equivalente a ministros) e mostram o suposto desconhecimento do presidente sobre assuntos internacionais - entre eles geografia. A rede CNN obteve trechos da obra. Veja algumas revelações que ela traz.
1 - Durante um jantar do G-20, as 20 nações mais ricas do mundo, em junho de 2019, em Osaka, no Japão, Trump teria pedido ajuda ao presidente chinês, Xi Jinping, para sua reeleição, em novembro deste ano. O americano teria dito que o apoio dos eleitores da região do Meio-Oeste seria fundamental para ele continuar na Casa Branca (permanecer mais quatro anos no poder seria uma obsessão do presidente, segundo Bolton). Ele teria pedido a Xi que comprasse mais produtos agrícolas dos Estados Unidos (em especial soja e trigo). Em troca, evitaria a imposição de novas barreiras comerciais.
2 - Todas as críticas que Trump faz publicamente sobre a questão dos direitos humanos na China caem por terra, se os fatos descritos por Bolton forem verdadeiros. Conforme ele, o presidente americano teria dito a Xi que seguisse com a política de campos de concentração nos quais o governo chinês costuma “aprisionar e reeducar” minorias, como os muçulmanos uiguris. “É a coisa certa a fazer”, teria dito Trump a Xi, no mesmo encontro de 2019, em Osaka.
3 - Outra passagem do livro mina a relação entre Trump e assessores de confiança do presidente, como o secretário de Estado Mike Pompeo. O livro descreve um encontro entre Trump e o ditador norte-coreano, Kim Jong-un. Na reunião, o americano promete lutar no Senado para derrubar sanções contra o regime comunista em troca do desmantelamento do programa nuclear norte-coreano. Kim culpa administrações anteriores pelas relações problemáticas entre os dois países. Diante da promessa de Trump a Kim, Pompeo teria passado a Bolton um bilhete referindo-se ao chefe: “Ele é um mentiroso!”.
“Eu concordo”, diz Bolton na obra.
4 - Em outro trecho, as desconfianças são de aliados dos Estados Unidos. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, teria questionado Bolton sobre a relação com genro de Trump, Jared Kushner, principal negociador do governo para assuntos de Oriente Médio. O político israelense duvidava da capacidade de Kushner de lidar com um assunto tão espinhoso e complexo como o conflito entre judeus e palestinos. O que levava Trump a acreditar que Kushner seria bem-sucedido em um tema que nem Henry Kissinger conseguiu? Este era um dos questionamentos, referindo-se ao ex-todo-poderoso secretário de Estado americano durante boa parte da Guerra Fria, responsável, entre outros feitos, pela aproximação entre EUA e China.
5 - Os bastidores do dia a dia na Casa Branca são os pontos mais interessantes do livro. Se Bob Woodward, em sua obra "Medo: a Casa Branca de Trump" revelou que assessores chegavam a esconder documentos de Trump para garantir a segurança nacional (trecho mais bombástico do trabalho), no caso da descrição de Bolton observa-se reuniões semanais, no Salão Oval ou na Sala Roosevelt, comparadas a encontros entre universitários ("food fight", "luta por comida", nas palavras do ex-assessor) - que não estariam à altura da importância das decisões a serem tomadas: “Depois dessas reuniões, se eu acreditasse em ioga, provavelmente teria usado algumas de suas práticas”, escreve Bolton. Trump que emerge das linhas do ex-funcionário é um presidente pouco interessado em saber como a máquina do governo funciona (algo que já apareceu em outros livros) e mais preocupado em tentar antecipar como a mídia reagiria a suas decisões.
6 - Bolton escreve que Trump teria reclamado pessoalmente a ele sobre as sanções aplicadas à Rússia em razão do caso do envenenamento do ex-espião Sergei Skirpal e de sua filha no Reino Unido. O ex-assessor afirmou ter elogiado publicamente as punições, mas Trump queria encontrar uma forma de retirá-las por entender que eram duras demais contra o presidente russo, Vladimir Putin. Isso mostra a dificuldade de Trump de separar as relações pessoais das questões de Estado.
7 - Antes de um encontro em Helsinque com Vladimir Putin, Trump teria perguntado a assessores se a Finlândia seria parte da Rússia, o que mostraria o desconhecimento do presidente sobre geografia.
8 - Bolton escreveu que Trump teria insistido, em várias ocasiões, na opção militar contra o regime de Nicolás Maduro. Teria dito a assessores que “a Venezuela é parte dos Estados Unidos” e dizia não entender por que os americanos estavam no Afeganistão e no Iraque e não no país caribenho.