A determinação do governo Donald Trump para que estudantes estrangeiros com aulas apenas online em universidades americanas deixem os Estados Unidos ou sejam impedidos de ingressar no país põe na mira cerca de 16 mil brasileiros de graduação, pós-graduação ou outras modalidades de ensino.
A decisão, divulgada pela Agência de Imigração e Alfândega na segunda-feira (6), deixou os alunos em meio a incertezas, sem saber como proceder a poucas semanas do início do novo ano letivo, que começa em agosto. Conforme a nova regra, estudantes matriculados em programas acadêmicos ou profissionalizantes que oferecem apenas aulas pela internet não poderão ficar no país, sob pena de serem expulsos. Caso estejam fora do território americano, eles não poderão entrar.
Mesmo na modalidade online, as universidades americanas proporcionam ao aluno uma experiência de ensino que vai além da sala de aula, como acesso à infraestrutura dos campi, bibliotecas e laboratórios, além de reuniões presenciais com professores e grupos de estudo, que são fundamentais para a formação. Há também aqueles alunos que moram em dormitórios da universidade ou utilizam seus serviços, como alimentação e acesso à internet.
Estudante do segundo ano da Universidade de Yale, em Connecticut, Maria Antonia Sendas, 20 anos, voltou ao Brasil em março. Com a pandemia, acabou permanecendo no Rio de Janeiro. Planejava regressar aos Estados Unidos para o reinicio das aulas, mas foi informada de que o ensino será apenas online - o que a coloca na lista dos brasileiros que não podem permanecer no país (além dessa determinação, durante a pandemia, vigora decreto de Trump que proíbe ingresso de pessoas procedentes do Brasil, a menos que tenham passado um período de quarentena de 14 dias em outra nação antes da viagem). Para aprofundar a preocupação sobre o futuro, todos os pertences de Maria Antonia ficaram na universidade americana.
- Todas as minhas coisas ficaram lá, todos os meus livros, tudo. A própria faculdade empacotou - conta a jovem.
A universidade de Yale, onde estuda Ciência Política e Literatura, informou que apenas os estudantes dos primeiro, terceiro e quarto anos terão aulas presenciais. A ideia, segundo a coordenação, é proporcionar maior distanciamento entre os estudantes, em especial nos dormitórios.
- Eu estava esperançosa de que, em algum momento, a fronteira reabriria para os brasileiros. Pensei em voltar para a cidade de New Haven e aproveitar os recursos que a faculdade oferece, usar as bibliotecas, que pra mim seriam muito úteis - lamenta.
O Brasil é o nono país que mais envia estudantes aos Estados Unidos, conforme o Escritório de Assuntos Educacionais e Culturais do Departamento de Estado americano. No total, são mais de 1 milhão de estrangeiros de várias partes do mundo, em diferentes modalidades de ensino. Na quarta-feira, a Universidade de Harvard e o Massachusetts Institute of Technology (MIT) decidiram processar o governo Trump devido a essa decisão: "A ordem foi imposta sem aviso prévio - sua crueldade foi superada apenas por sua imprudência. Parece que ela foi projetada propositalmente para pressionar faculdades e universidades a abrirem suas classes para aulas presenciais neste outono (no Hemisfério Norte), sem levar em conta preocupações com a saúde e a segurança de estudantes, instrutores e outros", disse o presidente da universidade, Larry Bacow, à rede CNN.
A Associação de Estudantes Brasileiros no Exterior (Brasa) espera apoio do governo brasileiro para reverter a decisão americana ou, ao menos, conseguir algum tipo de assistência aos alunos que precisam retornar aos Estados Unidos para concluir os estudos. O sentimento geral é de decepção:
- É um certo desprezo por parte do governo, deixando muitos alunos na mão. Há muitos alunos internacionais que precisam muito desse suporte e estrutura que a universidade oferece. É muito duro ter de lidar com isso, ver amigos em situações mais vulneráveis que a nossa tendo de lidar com isso - diz Maria.
Estudante de Economia da Universidade da Califórnia (UCLA), em Los Angeles, o paulista Lucas Koji Alves Yoshida, 20 anos, conta ter ficado desesperado ao saber da notícia. Ele decidiu ficar nos Estados Unidos durante a pandemia para fazer um estágio. Era também uma oportunidade de permanecer imerso no ambiente acadêmico mesmo durante as férias.
- Fiquei muito desesperado, não sabia o que ia fazer, não tinha passagem comprada, e já tinha escolhido minhas aulas. Não estava conseguindo achar uma solução. Vejo isso como uma extrema injustiça. Justificaram as medidas como prevenção ao coronavírus, mas não vejo como um argumento válido, porque estou cumprindo todas as medidas de segurança - afirma.
Depois de várias tentativas, ele conseguiu se matricular em uma disciplina presencial de música - que não tem nada a ver com o currículo de seu curso - apenas para poder ficar nos EUA.
A maior parte das universidades reduzirá ou eliminará as aulas presenciais por causa da pandemia. Harvard, por exemplo, anunciou que todos os cursos serão online no próximo ano. A decisão do governo impacta também nas universidades, que recebem centenas de milhões de dólares em anuidades pelos estrangeiros. Alguns estudantes chegam a pagar US$ 60 mil por ano para estudar em Stanford, por exemplo. Sem falar no quanto contribuem com a economia americana, consumindo no comércio local e alugando residências. A coluna procurou o Itamaraty, que não se manifestou até o momento.
"Se eu estiver fazendo só aula online e estiver nos EUA, eu estaria ilegal", diz presidente de entidade que representa estudantes brasileiros no Exterior
O presidente da Associação de Estudantes Brasileiros no Exterior (Brasa), Rafael Monteforte, afirma que a entidade foi pega de surpresa com a decisão do governo americano. Paulista de São Bernardo do Campo, ele é aluno do quarto ano de Ciências Políticas e Economia no Grinnell College, em Iowa. À coluna, ele explica como os brasileiros estão se organizando diante do temor de não conseguir voltar aos EUA ou de quem está no país e pode ter o visto revogado.
Como essa decisão atinge os estudantes brasileiros?
Nos pegou de surpresa porque as universidades estavam soltando suas decisões para o próximo semestre, algumas já tinham anunciado que adotariam o modelo híbrido, outras que seriam totalmente online e outras ainda que seriam totalmente presencial. Os alunos estavam se adequando para entender o que era a melhor solução para eles. Com essa nova resolução do governo Trump, a gente foi pego de surpresa porque muita gente vai ter de adequar seus planos. Muita gente que queria ficar no Brasil fazendo aula só online agora se vê obrigada a voltar aos Estados Unidos ou pessoas que iam fazer online nos EUA vão ter de sair do país. A gente ainda está digerindo (a decisão), já passaram alguns dias, a gente já conseguiu entender melhor a situação, mas, a princípio, foi uma mistura de surpresa e de tentar entender qual a melhor decisão a tomar a partir de agora.
Na prática, se a universidade passou a disponibilizar apenas cursos online, os estudantes terão de deixar os EUA ou quem está fora não pode entrar?
Quem está fora não consegue entrar. Às vezes, você tem aula online, mas tem toda a estrutura da universidade que poderia estar usando ou outros recursos que, para você, é benéfico durante o ano letivo: acesso a bibliotecas, etc. Se suas aulas forem online, você não pode voltar. Tem outra parte que são os estudantes que estão no modelo 100% presencial e que talvez não consigam chegar lá por conta da fronteira. Outro público que foi bastante afetado foi de estudantes de universidades que adotaram modelo híbrido: que vão oferecer aulas tanto presenciais quanto online, e esses são obrigados a ter pelo menos uma aula presencial para poder estar nos EUA. Conheço colegas que estão matriculados que adotariam o modelo híbrido, mas que voltariam para o campus e não necessariamente teriam aula. Eles teriam o direito de voltar para o campus, mas talvez todas as aulas seriam online. E a partir de agora, eles não podem mais porque têm de comprovar que pelo menos uma aula é presencial. Tem toda a questão de suporte, acesso aos professores, que fica prejudicada. A experiência acadêmica nos EUA vai muito além da sala de aula, então todo o resto a gente perde quando se faz aula 100% online e não tem acesso aos recursos do campus.
É um momento mais complicado por causa da transição de semestre?
Tem muito brasileiro que voltou para o Brasil para trabalhar durante o verão e que tinha voltado já por conta da pandemia no último semestre, quando as aulas foram migradas para o ambiente virtual. Muita gente estava no Brasil, mas pensava em voltar. Então, foi um cenário conturbado para todo mundo. Estamos tentando entender como ajudar nossa rede, já disponibilizamos recursos para estudantes que estejam necessitando, porque talvez tenham de sair dos EUA de maneira repentina. Foi em um período de transição e muito em cima. Daqui a um mês, algumas faculdades começam a voltar as aulas, a gente tem um período muito curto para se planejar. Se a medida tivesse sido anunciada um mês atrás, a gente teria um período maior para poder entender e se planejar de acordo com as novas resoluções.
Mesmo provando que terá aulas presenciais, certificado de matrícula, você teme que estudantes possam ser barrados nas alfândegas?
Essa é uma prerrogativa que sempre existiu, não muda por conta da medida. O oficial que está na porta de entrada, no serviço de imigração nos aeroportos, ele pode negar a entrada no país, mesmo que você tenha todos os documentos comprovando: visto válido, que está matriculado, que tem condições financeiras de se manter no país. Mas isso sempre existiu. O que a gente está preocupado é há relatos de pessoas que foram para os Estados Unidos agora e não conseguiram entrar. Estudantes que até fizeram quarentena em outros países antes de entrar nos EUA, mas tiveram a entrada no país negada. Estudantes que tiveram de voltar um pouco antes, durante o verão, por questões acadêmicas ou esportivas em suas faculdades, alguns já tiveram a entrada negada. Uma hipótese é que estas medidas estejam influenciando para que os oficiais de porta de entrada sejam mais rígidos. É um reforço para que eles deixem cada vez menos estudantes entrar. Não é algo que seja generalizado, mas pode ser que vejamos aumento no percentual de estudantes com visto válido e que terão aulas presenciais que sejam barrados pelos oficiais.
O que está por trás dessa decisão, na sua opinião?
Pode ser uma forma de Trump tentar forçar as universidades a abrirem presencialmente, dado que ele tem adotado uma postura cética em relação ao coronavírus e pró-reabertura da economia. Fazendo com que os estudantes não possam estar no país enquanto tenham aula online é uma maneira de forçar as universidades a abrir, ter aulas presenciais, porque sabem que os estudantes no Exterior são muito importantes para as universidades, tanto financeiramente quanto academicamente. Isso também se insere em uma série de medidas antimigratórias que Trump já vem tomando. Desde a eleição, ele tem uma retórica muito forte contra latinos, principalmente mexicanos. Há pouco tempo, ele atacou os direitos de quem tem o visto H1, que é um visto de trabalho, ameaçou mexer nos direitos de permissão de trabalho para estudantes e agora chega ao visto F1, de estudante. Estamos entrando nos momentos finais da campanha presidencial, ele tem de mostrar que está reagindo à pandemia de alguma maneira. A aprovação das medidas de combate à pandemia não é alta, e ele está tentando mostrar serviço de alguma forma e buscando agraciar a base mais radical, que fez com que ele se elegesse.
No seu caso pessoal, como a decisão o atinge?
Minha universidade vai adotar o modelo híbrido, e meu plano era voltar e fazer aulas lá. Não tenho clareza ainda se as aulas que escolhi serão oferecidas presencialmente ou virtualmente. Tenho de verificar com minha universidade: se eu não tiver nenhuma aula oferecida presencialmente, não posso estar nos EUA. Primeiro, tenho de garantir que vou ter aula presenciais, pelo menos uma por semestre, para justificar minha entrada nos EUA. Eu tinha pensado em ir para o México, não sei se ainda vou ou não (para ficar de quarentena e, depois, ingressar nos EUA). Ainda estou esperando respostas da universidade e do governo americano. A gente sente que as explicações são vagas por conta do governo: a própria medida que anunciaram, o texto não é específico. Mas Harvard e MIT já estão processando o governo americano contra essa medida. Ela só passa a valer a partir do início do próximo semestre. Minha faculdade começa as aulas no final de agosto. A partir do final de agosto, se eu estiver fazendo só aula online e tiver nos EUA, eu estaria ilegal, teria de voltar.