Mestre da encenação, acostumado às câmeras, escorregadio como um jogador de pocker e um tanto bufão, Donald Trump é também um oportunista.
Aproveita-se da situação momentânea para vangloriar-se, mesmo que os fatos o contradigam. O que vale é a glória instantânea em tempos de pós-verdade. Ao celebrar os números que apontaram queda no desemprego com comparações descabidas - como dizer que “é um grande dia para George Floyd” (o negro morto por um policial branco), o presidente americano critica o Brasil do coronavírus faltando duplamente com a verdade.
1) Ao contrário do que Trump diz, o Brasil não adotou o modelo sueco de imunidade de rebanho. A política do governo brasileiro sequer pode ser considerada uma política contra o coronavírus, um plano com começo, meio e fim, uma vez que cada governador decidiu a melhor estratégia para lidar com a pandemia. Não há um Brasil, há vários em se tratando de covid-19. As medidas adotadas no Rio Grande do Sul, que estão dando certo, não são as mesmas de São Paulo, Rio de Janeiro e Manaus, mergulhados no epicentro brasileiro do vírus. Resultado: o Rio Grande do Sul está muito mais para experiências como a da Coreia do Sul e França do que a da Suécia - que, diga-se de passagem, não pode ser comparada sequer à política adotada oficialmente pelo Ministério da Saúde que não recomendou nenhuma medida de isolamento social. Na Suécia, ao menos o governo orientou que a população se mantivesse afastada, intensificasse higiene pessoal, embora tenha mantido escolas, restaurantes e empresas abertas.
2) A outra falsa verdade de Trump é que se os Estados Unidos não seguiram o caminho da Suécia isso não se deve ao presidente - que, aliás, gostaria que escolas, restaurantes e empresas ficassem abertos.
Como no Brasil, foram os governadores dos Estados americanos que implementaram as medidas mais rígidas de proteção - com lockdown, inclusive em algumas regiões. Trump foi duramente contrário a essas medidas que, ensinam exemplos europeus, salvam vidas.
Em várias ocasiões, o presidente americano contradisse cientistas e outros especialistas de seu governo - inclusive o epidemiologista-chefe do governo, Anthony Fauci -, deu visibilidade à cloroquina, tratamento cuja eficiência não é comprovada cientificamente, e chegou a ameaçar governadores, incentivado seus seguidores a saírem às ruas - exigindo a abertura da economia.
Aos fatos: a Suécia errou na estratégia contra a pandemia, chora seus 4.468 mortos, faz autocrítica da gestão e investigará as razões do desastre. O Brasil, com 35.021 vidas perdidas, não tem uma política única para o coronavírus - qualquer esboço de plano parou nas brigas entre o presidente Jair Bolsonaro, que assim como Trump, considerou a pandemia uma gripezinha, nas divergências que levaram à saída de dois ministros da Saúde em 28 dias, e na queda de braço com governadores. Os EUA não foram fechados, ao contrário do que diz o líder americano - e isso, em grande parte, resulta nos mais de 100 mil mortos. Se alguém conseguiu salvar vidas em meio à maior tragédia americana desde o 11 de setembro de 2001, este não foi Trump.