Em 2004, 15 anos depois da queda do Muro de Berlim e 59 desde a derrocada do Terceiro Reich, exibir a bandeira da Alemanha em público não era algo de que alguns cidadãos se orgulhassem. Evocava um triunfante nacionalismo que tanto mal provocara ao país e ao mundo. Veio a Copa do Mundo de 2006, e, com ela o espetáculo de união, democracia e respeito às diferenças que os alemães dariam. Foi exorcizado o receio de tremular o símbolo tricolor alemão.
No Mundial do Brasil, oito anos depois, levamos o 7 a 1, mas diante do carisma da seleção alemã, que se hospedou em Porto Seguro, treinou na praia, e conquistou os brasileiros, nem ficamos assim tão chateados. Hoje, a Alemanha e sua bandeira lembram desenvolvimento, tecnologia, uma nação moderna e, sobretudo, plural.
A bandeira de Israel em manifestação de apoio ao presidente Jair Bolsonaro na rampa do Planalto provoca divergências entre a comunidade judaica - oficialmente, o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu é aliado do brasileiro, mas as declarações sobre o Holocausto do ministro da Educação, Abraham Weintraub, provocaram revolta em parte da comunidade judaica. Também é com reservas que a comunidade israelita observa a apropriação de símbolos do judaísmo por setores evangélicos - o quipá, o candelabro, a Torá que, com frequência, são ostentados em cerimônias cristãs.
A tropicalização de símbolos internacionais é um tema polêmico. A bandeira milenar da Ucrânia, que apareceu em um protesto de apoiadores do governo federal em São Paulo, no fim de semana, despertou críticas pela associação com o fascismo. A embaixada do país europeu esclareceu que se trata de um símbolo histórico: o vermelho do sangue derramado pelos cidadãos ucranianos em defesa do preto, sua terra, contra invasores estrangeiros. Mas essa imagem hoje foi apropriada por um partido de extrema direita, o Pravyi Sektor (Setor Direito), que remonta à defesa de uma ideologia da Alemanha nazista contra a então URSS.
O verde-amarelo e a camisa da Seleção brasileira são, hoje, associados aos simpatizantes de Bolsonaro, em uma suposta divisão da população entre patriotas de um lado e inimigos da pátria de outro. O mesmo, nos Estados Unidos, ocorre com a bandeira americana, utilizada pelos defensores do presidente Donald Trump. Alguns anos atrás, o então presidente Barack Obama foi questionado sobre sua lealdade à nação por não usar o pin com a bandeira americana. Trump, como Bolsonaro, se aproveita do uso patriótico da bandeira. Na Alemanha, o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) costuma assegurar que todos os seus manifestantes portem a bandeira alemã e acusa os demais partidos de sentirem vergonha dos símbolos nacionais.
O vermelho é associado ao PT e, a foice e o martelo, ao regime soviético e ao comunismo. Na Finlândia, usar a camisa estampada com símbolos nacionais - o leão e a cruz - era comum no passado, mas hoje seu uso está fortemente associado a grupos xenófobos.
Tochas em Brasília, como vimos no final de semana, remetem aos supremacistas brancos de Charlotesville, nos Estados Unidos, contra a retirada de um monumento dos confederados, que apoiavam a escravidão. Curiosamente, eles também bradavam o lema "sangue e terra", expresso nas cores da bandeira milenar ucraniana, surgido no século 19 e apropriado pela Alemanha nazista. Sem falar da remissão das chamas em frente ao Supremo aos atos da repugnante Ku Klux Klan.
Representantes de setores do governo brasileiro demonstram apreço por palavras que remetem a outros tempos - e significados. O chanceler Ernesto Araújo posta de vez em quando no Twitter a expressão "Deus vult", que, do latim, significa "Deus quer".
O termo data do início do milênio passado (1095) e faz referência ao grito do povo em resposta ao papa Urbano II, quando do anúncio da primeira Cruzada. Referências desse tipo, aos cavaleiros templários e aos cruzados, também aparecem no discurso do assessor da Presidência para Assuntos Internacionais, Filipe Martins. O termo, historicamente, é visto como uma narrativa que envolve preconceitos como racismo, homofobia, islamofobia e machismo. Por que uma expressão da Idade Média aparece no discurso de um ministro e de um secretário de alto nível como um passado idealizado é algo que carece de explicações. Embora muitas vezes possa parecer, não estamos na guerra de civilizações de Samuel Huntington.
Símbolos são importantes. Carregados de significados, despertam sentimentos. Daí o risco da apropriação de bandeiras ou de expressões associadas a contextos históricos pontuais.