Entre perdas e ganhos, o sonho de uma Europa integrada, maior laboratório de uma paz duradoura depois dos horrores da II Guerra, sobreviveu ao 26 de maio de 2019. Isso não significa dizer que a União Europeia (UE) não tenha saído chamuscada da eleição para o parlamento. Também pudera, o bloco político e econômico idealizado pelos pais fundadores da Comunidade do Carvão e do Aço, embrião da UE, enfrentou nos últimos cinco anos da atual legislatura provações que, no inconsciente coletivo, foram colocadas na balança entre quinta-feira e domingo: os efeitos da crise econômica do final da primeira década do século 21 ainda se fazem presentes; o Brexit é um trauma sem precedentes; a onda de refugiados expôs o melhor e o pior da Europa; e atentados terroristas ensanguentaram algumas das principais cidades, como Paris, Nice, Barcelona, Londres e Berlim.
As eleições nacionais dos últimos anos também apontavam o crescimento de forças de extrema-direita e eurocéticas, contrárias à integração. Houve avanço desses grupos, reunidos nos blocos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), Europa da Liberdade e da Democracia Direta (EFDD) e a Europa das Nações e da Liberdade (ENF) na Eurocâmara. Mas a onda nacionalista e populista avassaladora a varrer Bruxelas, imaginada por personalidades como a francesa Marine Le Pen e o italiano Matteo Salvini, foi brecada pela ascensão de liberais e verdes, aliás, os verdadeiros vencedores da eleição. Grupos extremistas ficarão com um quarto dos assentos. Em outras palavras não conseguirão melar a integração. São força crescente mas ainda fragmentada.
Há lições do pleito. Os eleitores deram um duro recado aos políticos de centro, tradicionais sustentáculos do sonho europeu. O Partido Popular Europeu (EPP, de centro-direita) e a Aliança Progressista de Socialistas e Democratas (S&D, centro esquerda), que desde o final dos anos 1970 tinham mais de 50% da Casa, seguem sendo as principais forças do parlamento, mas já não têm maioria. Na França, espécie de capital política da UE, e na Alemanha, sustentáculo econômico do bloco, líderes europeístas perderam: o presidente Emmanuel Macron, enredado na crise doméstica com os coletes amarelos, e seu partido Em Marche! sucumbiram diante do Agrupamento Nacional, de Le Pen. A chanceler Angela Merkel e sua base da União Democrata Cristã (CDU) e União Social Cristã da Baviera (CSU) também viram seu poderio eleitoral minguar.
O crescimento dos verdes e dos liberais confirma que os cidadãos buscam forças alternativas — outrora periféricas — para representá-los. Também revela que, pela primeira vez, os eleitores não se jogaram nos braços dos extremistas nessa busca pelo diferente. Isso pode significar que, sim, eles discordam dos rumos da UE, que o bloco têm problemas, mas que ruim com a integração pior sem ela. Entre mortos e feridos da batalha do parlamento, a Europa vive. Ao menos até o outubro do Brexit.