Theresa May é uma mulher resiliente. Tentou por três vezes negociar algo que cada vez mais se confirma inegociável: um divórcio amigável entre o Reino Unido e a União Europeia (UE). Fracassou em todas as manobras para uma saída negociada com as lideranças do bloco econômico. Foi vencida no parlamento, em Westminster, por seus pares, e acabou renunciando nesta sexta-feira (24).
Em um sistema parlamentarista, no qual primeiros-ministros entram e saem com certa naturalidade — diferentemente de processos traumáticos como o impeachment do presidencialismo —, May durou até demais no poder. Foi uma espécie de dama de ferro — menos por suas posições ideológicas e mais por sua presença de espírito diante da adversidade enquanto esteve em Downing Street.
Isso não isenta seu governo — um dos mais curtos do pós-II Guerra — de responsabilidades pela novela quixotesca em que o Reino Unido imergiu. O Brexit estava previsto inicialmente para 29 de março de 2019. Por falta de acordo, precisou ser adiado até 31 de outubro, o que obrigou os britânicos a um processo surreal: votarem na eleição desses dias (entre quinta-feira e domingo) para escolher os deputados de um bloco econômico do qual eles, em tese, não farão mais parte dentro de cinco meses. May escolheu renunciar exatamente em meio ao pleito que irá redesenhar o jogo de forças políticas do continente.
Sua última cartada para tentar uma retirada amigável da UE foi incluir no texto que seria levado, de novo, a Westminster a possibilidade de um segundo referendo sobre o Brexit e de manter uma união alfandegária temporária com o bloco. Era uma tentativa de conquistar apoio dos deputados trabalhistas moderados (rivais da sua legenda, o Partido Conservador). Mas a primeira-ministra ficou sem apoio interno: as duas propostas eram uma afronta aos interesses da ala radical de seu próprio partido, que, nas últimas 48 horas, já maquinava, nos bastidores, uma forma de forçá-la a sair. May acabou sozinha.
O retrato da própria renúncia já traz como moldura os vencedores: os políticos eurocéticos mais radicais dentro e fora do arquipélago de Sua Majestade. Nas últimas semanas, o recém-criado Partido do Brexit, de Nigel Farage, atraiu, com rapidez impressionante, o eleitorado conservador mais tradicional. E no saco de gatos do Partido Conservador, com múltiplas facções e interesses internos, há dezenas de candidatos a sucessão de May. O mais provável é o ex-prefeito de Londres e ex-ministro das Relações Exteriores Boris Johnson, a cara pública da campanha do Brexit no referendo de 2016.
Qualquer que seja o cenário pode-se prever uma saída dura dos 40 anos de casamento, de mais turbulências do que períodos de lua-de-mel, entre Londres e Bruxelas. O que não é bom pra ninguém: um hard Brexit entre a quinta maior economia do planeta e a UE afastaria os britânicos, do dia para noite, do mercado único e da união aduaneira, reescrevendo relações comerciais entre empresas e com impacto social não calculado. Afinal, ninguém sabe o que virá depois do abismo.
A situação de cai não cai de May nos últimos meses era insustentável. Mas a incerteza dos dias seguintes a sua renúncia e o que virá depois de outubro podem ser ainda piores.