Uma foto divulgada nos primeiros minutos após o encerramento do encontro do Grupo de Lima, em Bogotá (acima), na segunda-feira (25), reunia os protagonistas da crise na Venezuela. Nela, apareciam o autoproclamado presidente Juan Guaidó, o presidente da Colômbia, Iván Duque, e o vice dos Estados Unidos, Mike Pence, com as mãos sobrepostas em sinal de união. Nem sinal do chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, ou do vice, Hamilton Mourão, enviados do presidente Jair Bolsonaro para o encontro, dois dias depois do fracasso da estratégia da oposição venezuelana de fazer entrar no reino do ditador Nicolás Maduro a ajuda humanitária.
A imagem é simbólica porque denota o papel secundário do Brasil no caso venezuelano — só horas após o encontro apareceu uma foto de Mourão conversando com Guaidó em Bogotá.
Visto pelo mundo como gigante sul-americano — e, por isso, com o dever de manter a hegemonia na região —, o Brasil está a reboque das decisões dos Estados Unidos de Donald Trump na atual crise. Bolsonaro foi o segundo presidente a reconhecer Guaidó, em 23 de janeiro, depois do americano. No 23F, como os venezuelanos chamaram o sábado passado, o Brasil posicionou dois pequenos caminhões na fronteira em Pacaraima, cujos itens que carregavam não matavam a fome sequer de um bairro de Santa Elena de Uairén, município venezuelano. A preocupação não era o drama dos venezuelanos, que definham sem remédio ou comida. Se estivessem realmente ocupados em fazer entrar a ajuda, as autoridades brasileiras poderiam ter chamado organizações independentes, como Médicos Sem Fronteiras, Nações Unidas, Cruz Vermelha Internacional, acostumadas ao front na África e na Ásia, a auxiliar. Era um ato político, os caminhões compunham parte do show da oposição em orquestração com os EUA.
Apesar de alguma confusão na fronteira com o Brasil, foi a Colômbia o epicentro da tensão dos últimos dias. É lá que está o grosso da ajuda humanitária — com grandes caminhões tentando furar o muro militar de Maduro, dois, inclusive, sendo incendiados nas pontes. É também lá que estão mil militares americanos. E uma possível intervenção será feita por meio deste território. É na Colômbia que Guaidó buscou abrigo quando saiu da Venezuela. Lá foi realizada a reunião do Grupo de Lima e é com o governo de Duque que a ditadura bolivariana tem as maiores rixas na América Latina desde os tempos do presidente Álvaro Uribe e do Plano Colômbia, que neutralizou a guerrilha das Farc.
O Brasil foi irrelevante no dia 23 de fevereiro e, na segunda-feira (25), em Bogotá, estava na segunda fila das discussões do Grupo de Lima. Agora, com a visita de Guaidó, nesta quinta-feira (28), a Brasília, o Planalto tentou resgatar o protagonismo perdido, dando ao líder da oposição recepção de chefe de Estado. Guaidó faria inicialmente uma "visita de caráter pessoal" a Bolsonaro, deixando as manifestações públicas para o encontro no Itamaraty. Ao contrário, o líder venezuelano discursou no Planalto ao lado do presidente brasileiro, que o chamou de "irmão".
Não é de hoje que o Brasil está distante da agenda latino-americana. Esse distanciamento é reflexo, em boa parte, da irrelevância da política externa brasileira dos governos Dilma Rousseff e Michel Temer. Imerso em crises internas e escândalos de corrupção, o Planalto reduziu sua atuação internacional. Não foi só culpa da crise. Houve decisões políticas errôneas do ponto de vista externo. O Itamaraty perdeu poder na Esplanada. E a política externa brasileira foi reduzida apenas a comércio exterior. Temer, por exemplo, inviabilizou a manutenção de relações comerciais com vizinhos e jogou no limbo qualquer mediação na crise política na Venezuela.
O Brasil já foi importante interlocutor. Em 2003, teve papel de liderança na formação do Grupo de Amigos da Venezuela. Na sequência, a suspensão do país do Mercosul, em vez de elevar a pressão sobre Maduro, só enfraqueceu o próprio órgão como potencial mediador.
A omissão brasileira, aliás, elevou, inicialmente, México, Chile, Bolívia e Nicarágua ao posto de interlocutores para manter o diálogo entre Maduro e a oposição. Agora, enquanto o Brasil tenta resgatar seu protagonismo - talvez tarde demais -, o futuro da Venezuela é decidido em Washington, Moscou e Pequim.