Desde que Viktor Orbán assumiu o poder na Hungria, em 2010, as liberdades políticas e de expressão foram reduzidas, o Judiciário foi perdendo, aos poucos, a independência, e a nação se fechou aos imigrantes que batem às portas da União Europeia. Mas foi só quando o governo tocou no bolso dos húngaros, no final de 2018, que parte da população decidiu se embrenhar na neve de Budapeste, sob temperaturas abaixo de 0ºC do inverno europeu, para protagonizar as maiores manifestações no país desde o fim do comunismo.
O que levou os ativistas às ruas é a reforma trabalhista do premier que é inspiração para Jair Bolsonaro. O ultranacionalista Orbán — para muitos ele e não Donald Trump seria a principal inspiração do presidente brasileiro —, aproveitou a vantagem de seu partido Fidesz-União Cívica Húngara no parlamento para aprovar a legislação que permite a empregadores exigirem até 400 horas extras por ano de seus funcionários. Antes, o máximo era de 250 horas/ano. Para cumprir a nova lei, muitos terão de trabalhar seis dias por semana, e os empresários podem pagar esse tempo extra em até três anos. É chamada pelos críticos no país de "lei da escravidão".
Por que essa é apenas a ponta do iceberg que pode fazer naufragar o regime Orbán? Porque, o levante de janeiro, esconde, na verdade, o desgaste de um modelo que está há nove anos encastelado no poder, que tem recrudescido a mão de ferro sobre a população, fechado jornais independentes e caçado opositores a ponto de sofrer moção de censura da União Europeia por violações ao Estado de Direito (o artigo 7 dos tratados do bloco).
Orbán se notabilizou em 2015 por recusar-se a aceitar cotas de refugiados por país, decisão do comando da UE, em Bruxelas. Mais recentemente, cogitou legalizar a pena de morte (o que também viola a legislação do bloco supranacional). O premier húngaro retruca dizendo que os protestos e as próprias decisões da UE têm como pano de fundo a influência do magnata e filantropo George Soros, malvado favorito de Orbán e a personificação do chamado globalismo que ele e outros líderes nacionalistas mundiais, como Donald Trump, o italiano Matteo Salvini e Bolsonaro denunciam.
Os protestos que começam a balançar a estrutura de poder na Hungria ainda não podem ser considerados uma primavera contra regimes que ora vestem a máscara autoritária na Europa, mas, no mínimo, produziram um efeito colateral já visível: o retorno à cena política de partidos tradicionais, como os social-democratas, os verdes e os liberais, que andavam sumidos em boa parte do continente, derrotados nas urnas ou fragmentados por divergências internas.