O acordo comercial entre Mercosul e União Europeia (UE) não saiu em 20 anos e, ao que tudo indica, não sairá nos próximos quatro. O alinhamento automático com os Estados Unidos, pretendido pelo presidente eleito Jair Bolsonaro coloca de lado os parceiros do Sul – e abre caminho para negociações bilaterais diretas entre os vizinhos e os europeus.
As divergências do fim de semana, que afloraram durante o G20, em Buenos Aires, confirmam isso. Aliás, não ir ao encontro das nações mais ricas, na capital argentina, pode estar cobrando, do presidente eleito, seu preço: ficar alijado das discussões mais importantes do momento em nível globais e ser assunto mesmo sem estar presente.
No sábado, o presidente francês, Emmanuel Macron, jogou no colo de Bolsonaro a responsabilidade pelo futuro das negociações entre o Mercosul e a UE. Condicionou o apoio de seu país à posição do Brasil sobre o Acordo de Paris.
Macron afirmou que o bloco europeu não negocia com países que queiram deixar o tratado sobre mudanças climáticas. Bolsonaro já disse na campanha que seguiria o exemplo de Donald Trump e sairia do acordo, depois voltou atrás.
O Brasil envia sinais contraditórios ao mundo. Enquanto Bolsonaro negava o tratado global, Michel Temer, em seus últimos dias como presidente, ao lado dos parceiros dos Brics (Rússia, Índia, China e África do Sul), firmava declaração em que as nações se comprometem com a plena implementação do Acordo de Paris.
Antes da declaração de Macron, Bolsonaro também mandou recado, por meio do futuro chanceler Ernesto Araújo, para cancelar a realização da COP 25, a Conferência do Clima das Nações Unidas, que estava programada para ocorrer em 2019 no Brasil. A notícia já repercute negativamente nesta segunda-feira na Polônia na abertura da COP24.
Voltando à França, é claro que não depende só de Bolsonaro e da posição brasileira no Acordo de Paris o apoio de Macron nas relações UE-Mercosul. O diálogo enfrenta resistências históricas de setores agrícolas, principalmente dos franceses. Permitir acesso ao mercado europeu de produtos sensíveis do Mercosul, como carne bovina, açúcar, etanol, é algo que sucessivos governos no Palácio do Eliseu não conseguiram resolver com os poderosos sindicatos franceses.
E não é momento para tocar no assunto do lado de lá do Atlântico. Macron enfrenta sua pior crise interna desde que assumiu. Não se pode descartar que, ao jogar no colo do Brasil a responsabilidade por possíveis entraves às negociações, ele está se livrando da batata quente.
Enquanto estava em Buenos Aires, o francês assistiu pela TV Paris pegar fogo. Uma revolta popular contra aumentos no imposto sobre combustíveis e alto custo de vida se espalhou pelas redes sociais e tomou as ruas. Manifestantes bloquearam estradas e impediram o acesso a shoppings e fábricas. A Champs Elysée tinha carros incendiados e lojas saqueadas. Mal chegou de volta de Buenos Aires, Macron foi visitar imediatamente o Arco do Triunfo, um dos palcos dos confrontos.
A posição de Bolsonaro sobre o aquecimento global afasta o Brasil da França e, possivelmente, da União Europeia, mas o traz de para debaixo das asas dos americanos – ainda que Trump nunca tenha dado garantias de qualquer acordo com o Brasil em troca de fidelidade. Ao mesmo tempo, abre caminho para maior proximidade entre a Argentina de Mauricio Macri e a França.