As poluentes indústrias do petróleo e carvão também terão seu espaço na Conferência sobre o Clima da ONU, aproveitando que não existe nenhum marco sobre os conflitos de interesse para continuar defendendo as energias fósseis.
Na COP24, que reunirá delegados de quase 200 países a partir de domingo na Polônia, as federações e associações do setor encontrarão seu espaço habitual, livres - ou quase - para exercer a sua influência.
A Convenção do Clima da ONU (CCNUCC) permite que o processo esteja aberto a atores não estatais, principalmente "organizações empresariais e industriais".
As entidades creditadas podem participar das sessões como observadoras, algo vetado à imprensa, e frequentar os mesmos corredores que os políticos encarregados de tomar decisões.
"A cada dia sabemos mais coisas sobre o que fazem os grandes contaminantes para sabotar as políticas sobre o clima e, apesar disso, suas associações profissionais continuam livres para circular pelos corredores da CCNUCC", lamenta Jesse Bragg, da ONG Corporate Accountability, dedicada à responsabilidade social das empresas.
Outros processos das Nações Unidas, como a convenção marco da OMS para a luta antitabaco (FCTC), estabeleceram regulações para evitar os conflitos de interesse. A CCNUCC, ao contrário, não previu nenhuma.
Em janeiro, o grupo África, que reúne negociadores do clima do continente, apresentou uma proposta formal para dotar a negociação de tais proteções.
- 'Ameaça à legitimidade' -
Um conflito de interesses pode "emergir quando um ator não estatal, cujo interesse implica limitar ou influenciar em certas noções científicas sobre o clima, participa ativamente na CCNUCC", adverte o texto.
O problema da representação das indústrias fósseis é tal que "ameaça a integridade e legitimidade" do acordo de Paris sobre o clima, aponta a proposta.
Segundo fontes próximas às negociações, a proposta foi enterrada pela pressão de países desenvolvidos nas negociações da CCNUCC em Bonn, em maio.
As nações reconheceram "a importância de reforçar o compromisso das partes não estatais", se limitando a assinar o texto final da reunião, que toma "nota dos diferentes pontos de vista expressados".
Para Ovais Sarmad, secretário adjunto da CCNUCC, todos os observadores creditados são avaliados de acordo com as regras adotadas pelos próprios países. "Nenhum grupo de interesse particular tem influência no processo de decisão", assegurou à AFP.
No início do ano, 16 ONGs ambientais fizeram um chamado à CCNUCC, se queixando de que a ONU só impõe duas condições aos observadores: que se declarem sem vontade de lucro e que seu trabalho tenha alguma relação com a mudança climática.
"Infelizmente, algumas das organizações mais nocivas ao clima respondem a muitos desses critérios", indicava o texto, "precisamente as que direta ou indiretamente representam os interesses de grupos petroleiros como ExxonMobil, Chevron, Shell e BP".
Das seis empresas contactadas pela AFP, apenas duas quiseram falar.
A Associação Mundial do Carvão (WCA, em inglês) "pede soluções para reduzir as emissões globais", respondeu seu porta-voz. Nas negociações do clima, "continuará pedindo" que "as tecnologias do carvão de baixa emissão" sejam consideradas uma solução igual às outras, continuou.
Contudo, o Competitive Enterprise Institute, que defende os interesses da indústria petroleira, não irá à COP deste ano, segundo seu diretor Myron Ebell - cético com a mudança climática -, a quem Donald Trump encarregou de comandar a transição da política ambiental americana.
"Realmente não vemos um interesse" em termos de novos benefícios, disse à AFP.
Sobre o país que recebe a COP24, a Polônia, anunciou que o evento será patrocinado por três grandes grupos energéticos, incluindo JSW, primeiro produtor de carvão coque da União Europeia, e PGE, que gere a segunda maior central de carvão do mundo.
O governo assegurou que se tratam "de patrocinadores como outros".
Mas Harjeet Singh, da ActionAid International, advertiu que "enquanto os cientistas anunciam uma 'catástrofe climática', os grupos de pressão das energias fósseis se preparam para estar no centro das negociações da ONU na Polônia".
* AFP