Neste 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o livre exercício do jornalismo não é garantido em ao menos 39 países, nos quais repórteres, cinegrafistas e fotógrafos estão presos devido ao exercício da profissão.
Mas a prática de cercear a imprensa – e, por tabela, o direito de a sociedade ser informada – não se resume a essas duas nações.
Em 2017, segundo o Comitê para Proteção de Jornalistas, 262 profissionais foram presos.
Em 2016, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, utilizou a tentativa de golpe como desculpa para apertar o torniquete nas redações: 73 repórteres, fotógrafos ou cinegrafistas estão presos. Outros, como Kadri Gürsel, estão a ponto de sê-lo.
Colunista do jornal Cumhuriyet, ele escreveu em 2016 que Erdogan tinha a ambição de se tornar o “novo pai dos turcos”, em referência ao ex-presidente Mustafa Kemal Atatürk, mentor da Turquia moderna: “O país só precisa de um jovem rebelde como Muhammad Buazizi, que acendeu a centelha que derrubou o ditador tunisiano".
O regime não gostou da comparação com o vendedor que, ao atear fogo no próprio corpo, em 2010, marcou o início da Primavera Árabe, que fez tombar, um a um, governos autoritários na Tunísia, no Egito e na Líbia.
O colunista foi condenado na semana passada a dois anos e seis meses de prisão.
– A Turquia celebra o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa como a maior prisão de jornalistas no mundo – avalia Can Dündar, ex-editor-chefe do Cumhuriyet que recebeu em 2017 a Caneta de Ouro da Liberdade.
Elaborado pela organização Repórteres Sem Fronteiras, o ranking que avalia as condições para o exercício do jornalismo em 180 países revela que a hostilidade de agentes políticos contra meios de comunicação não se faz presente apenas em países autoritários.
Cada vez mais governantes democraticamente eleitos enxergam a imprensa como inimiga.
David Callaway, presidente do Fórum Mundial de Editores e CEO do jornal The Street, identifica como sinal alarmante a troca de mensagens entre Donald Trump e o ex-diretor do FBI James Comey na qual o presidente americano teria sugerido que os jornalistas revelariam suas fontes (violando o direito do sigilo, fundamental do exercício do jornalismo) “se passassem alguns dias na cadeia”.
— Ameaças, intimidação e até assassinatos de jornalistas pelo seu trabalho estão em ascensão na América do Sul, na Europa e na Ásia — pontua Callaway.
Assassinatos e notícias falsas como ameaça
A morte de 10 jornalistas em atentado esta semana em Cabul chamou atenção para a ação deliberada de grupos terroristas contra a imprensa. Um extremista a bordo de uma motocicleta, portando uma credencial falsa e uma máquina fotográfica, aproximou-se de um grupo de repórteres afegãos que cobriam uma explosão e detonou seu colete-bomba. Dos 37 mortos na ação, 10 eram jornalistas, entre eles o chefe dos fotógrafos da agência de notícias France Press (AFP) na capital do Afeganistão, Shah Marai.
Países como Síria e Iraque, que somam 46 profissionais assassinados em 2017, continuam liderando a lista de assassinatos de jornalistas. Mas também chama atenção a ameaça à segurança de profissionais de imprensa em países que não estão em guerra civil. No México, seis jornalistas foram mortos no ano passado.
Na Venezuela de Nicolás Maduro, o El Nacional é um dos últimos diários independentes em atuação no país. O CEO do jornal, Miguel Henrique Otero, que esteve em Porto Alegre no mês passado para o Fórum da Liberdade, comanda a publicação desde o exílio. Se voltar ao país, pode ser preso. A acusação: uma notícia publicada pelo El Nacional e reproduzida em centenas de jornais pelo mundo sobre o suposto envolvimento de Diosdado Cabello (ex-presidente da Assembleia, ligado ao chavismo) com o narcotráfico.
– Nosso conselho editorial está fora do país, há problemas no abastecimento de papel imprensa, ataques contra a sede do jornal, ameaça permanente contra o jornal e contra jornalistas, que tiveram de ir embora do país – afirma.
Outro fenômeno atual, a propagação de notícias falsas pelas redes sociais, não apenas pode ter influenciado eleições como nos Estados Unidos, na França e processos como o Brexit e o referendo da Catalunha, como são ameaças à própria democracia.
– A missão da imprensa profissional de informar com liberdade e pluralidade nunca foi tão relevante como agora, quando se tornou lugar-comum na internet a difusão deliberada de mentiras na luta por poder e influência – avalia Marcelo Rech, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e vice-presidente Editorial do Grupo RBS.
Fotógrafo preso no Egito será homenageado
O fotojornalista egípcio Mahmoud Abu Zeid, conhecido como Shawkan, será homenageado nesta quinta-feira com o Prêmio Mundial de Liberdade da Imprensa Unesco-Guillermo Cano 2018. O profissional está na cadeia desde 14 de agosto de 2013, quando foi preso durante a cobertura de uma manifestação na Praça Rabaa Al-Adawiya, no Cairo.
Além do fotógrafo, há outros 19 profissionais de imprensa encarcerados no Egito, segundo o Comitê para a Proteção de Jornalistas.
O grupo de trabalho da ONU sobre detenções arbitrárias qualificou a prisão como contrária aos direitos garantidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. O prêmio será concedido durante cerimônia que marcará em Acra, capital de Gana, o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. O tema do evento, que completa 25 anos, será Os Freios e Contrapesos ao Poder: Meios de comunicação, Justiça e Estado de Direito.
A cada ano, o Prêmio Mundial de Liberdade da Imprensa UNESCO-Guillermo Cano reconhece uma pessoa, organização ou instituição que contribuiu de maneira excepcional para defesa e promoção da liberdade de imprensa, especialmente diante do perigo. Leva este nome em homenagem a Guillermo Cano Isaza, jornalista colombiano assassinado em frente à sede de seu jornal, El Espectador, em Bogotá, Colômbia, em 17 de dezembro de 1986.