Em uma coisa o governo chavista-madurista na Venezuela tem razão. Há uma 'escalada armada' em seu país, cujo exemplo mais concreto é ao mesmo tempo fantástico e perigoso. Um policial rouba um helicóptero da corporação e, em pleno final de tarde, horário de pico em Caracas e em qualquer metrópole do mundo, efetua disparos e atira granadas contra o prédio da Suprema Corte.
Da porta do aparelho, o piloto exibe uma faixa com as cores da bandeira venezuelana e a inscrição: '350 Libertad'. Era uma referência ao artigo da Constituição que permite aos cidadãos ignorarem um governo que passe por cima de garantias individuais. As autoridades entram em alerta máximo, o Palácio de Miraflores, sede do governo, é cercado e a polícia chega a revidar contra o solitário atacante. Mas o fato é que o helicóptero vai embora, depois de ainda sobrevoar outras áreas da capital. O piloto, identificado como Oscar Pérez, inspetor da polícia científica, segue desaparecido.
Poderia-se encerrar essa descrição de cena com um tradicional "fecham-se as cortinas". Mas não é teatro, embora pareça. Aconteceu por volta das 18h de terça-feira em Caracas.
Nas entrelinhas do episódio que poderia ter saído de um livro de realismo fantástico latino-americano, está o fato de que o ato de insubordinação demonstra que o regime chavismo-madurista não é unanimidade entre as próprias corporações militares. No poder, o tenente-coronel Hugo Chávez sempre teve nas forças armadas seu principal esteio. Maduro, herdeiro político de Chávez, mas um civil que fez carreira no sindicalismo no setor de transportes, não goza da mesma simpatia que o mentor político, capaz de amalgamar a caserna. O mesmo vale para outros órgãos de segurança, como o Corpo de Investigações Científicas, Penais e Criminalísticas (Cicpc), corporação na qual Pérez, além de piloto, mergulhador e, ironia, paraquedista, como Chávez.
Maduro considerou o ato uma crescente tentativa de golpe em gestação. De novo não está errado. A ação individual do solitário Pérez pode ser o primeiro sintoma de alguma inquietação nos círculos militares - na Venezuela, país extremamente militarizado e com histórias de sucessivos golpes (inclusive por Chávez), são os que mais têm poder para mudanças políticas por lá.