Após dois anos tramitando na Câmara de Vereadores, o projeto de lei que autoriza o Inter a construir um complexo imobiliário no terreno do Beira-Rio, em Porto Alegre, chegou à ordem do dia – ou seja, está pronto para ser votado.
Além de centro de eventos e galeria comercial, o empreendimento prevê dois espigões de frente para o Guaíba. Um deles, com 130 metros, seria o mais alto do Rio Grande do Sul. Mais do que uma discussão urbanística – já que o tamanho dos prédios excede os limites do Plano Diretor –, o projeto também acende um debate ético.
A área do futuro Beira-Rio foi doada pelo município em 1956. Na época, a única condição imposta era que o local fosse usado exclusivamente para a construção de "uma praça de esportes". O Inter fez isso, construiu sua praça de esportes, mas agora quer construir outra coisa. Pode ou não pode? Essa é a questão.
Em 1988, uma nova lei dizia que o clube, de fato, não poderia usar aquela área "para outro fim, ressalvada a implantação de equipamentos e comércio de apoio ao fortalecimento de recursos financeiros para a entidade esportiva". Um texto meio esquisito, esse da lei. O que são "equipamentos e comércio de apoio"?
Lojas que vendem uniformes, museu, estacionamento, bares e restaurantes, tudo isso certamente são "equipamentos e comércio de apoio" para uma praça de esportes. Mas um hotel de 27 andares, como o atual projeto prevê? Uma torre com residências e escritórios? Não me parecem empreendimentos de apoio – parecem desvios de finalidade.
Ainda assim, não sou contra o projeto do Inter. Os tempos mudam, a cidade muda, as leis também mudam. O clube pode, sim, erguer seus prédios no Beira-Rio, desde que garanta uma polpuda recompensa a quem lhe deu aquela área: o município de Porto Alegre. Afinal, um acordo será quebrado – e tudo certo, se todos saírem ganhando.
Como qualquer empreendimento, claro, haverá contrapartidas. Isso é de praxe. Entre elas, está a urbanização de um trecho da Orla – que incluiria um píer para o catamarã e um atracadouro para barcos –, além de reformas no Asilo Padre Cacique e na Unidade de Saúde Santa Marta. Felizmente, o prefeito Sebastião Melo concorda que isso é muito pouco.
– A cidade precisa ter um retorno robusto. Nossa orientação, antes de votar o projeto na Câmara, é que os vereadores aliados aguardem o acerto do governo com o Internacional – disse ele à coluna.
Melo destacou quatro secretários para discutir o assunto nesta quarta-feira (4), em uma reunião com representantes do Inter. Segundo o prefeito, uma das possíveis novas contrapartidas seria a regularização da Vila dos Pescadores – ela fica entre o clube Veleiros do Sul e o posto dos bombeiros, na Assunção. Precisa de tratamento de esgoto, água potável, rede de energia elétrica, iluminação pública, pavimentação e uma série de outras intervenções estruturais.
É um pessoal que há anos aguarda sua vez de ganhar alguma coisa. Talvez seja a hora.