O prefeito Sebastião Melo tem uma pretensão interessante: em 2024, quando seu mandato estiver no fim, o objetivo é que a Capital esteja mergulhada em uma nova cultura na relação com o espaço público. Seria um legado respeitável.
Para tudo dar certo, Melo entende que o desafio maior é garantir um envolvimento consistente de moradores, empresários e comerciantes – inclusive os pequenos, que são donos de mercadinhos, quitandas, bares e outros estabelecimentos de bairro. Quando esse pessoal adota um espaço público, muito mais do que assumir o trabalho da prefeitura, eles conseguem melhorar o convívio da comunidade com o local.
Por que isso ocorre? Em primeiro lugar, é comum ouvir de servidores do município que, nas áreas adotadas, a conservação dura sempre mais tempo. Faz todo o sentido. O lugar adotado, na cabeça dos frequentadores, passa a ter um "dono".
Claro que, oficialmente, o adotante nunca vai ser dono de um espaço público – o dono somos nós. Mas, em países subdesenvolvidos, o problema passa justamente por aí: não se enxerga o espaço público como um lugar que pertence a todos, mas como um lugar que não pertence a ninguém.
Quando uma placa avisa que existe um guardião por ali, uma pessoa que realmente se importa com o local, a coisa muda de figura: o olhar da comunidade passa a ser mais benevolente – e o comportamento destrutivo perde força. Ainda mais quando o guardião é alguém próximo: o proprietário do armazém, ou o seu Joaquim, ou a dona Eusébia. Quem teria coragem de maltratar um lugar cuidado com carinho pela dona Eusébia?
Desde março, quando o programa Seja Parceiro de Porto Alegre foi lançado, o número de adoções de praças, canteiros, rótulas e outros equipamentos cresceu 65%, segundo a prefeitura: a Capital agora tem 117 locais sob a tutela de pessoas ou empresas. Outra estratégia do governo tem sido nomear prefeitos de praças, que atuam como fiscais do município. No fim de semana, o próprio Melo empossou cinco em uma cerimônia na Praça da Alfândega – ao todo, já são 11.
Em uma terceira frente, a prefeitura tem exigido que fornecedores do município adotem no mínimo um espaço público. A Cootravipa, que reúne os trabalhadores da limpeza urbana, assumiu quatro rótulas e uma parte do Viaduto da Conceição.
– Não admito que nenhum prestador de serviço não adote um espaço. Está recebendo um bom recurso do município e vai ter que adotar uma área – disse Melo à coluna no mês passado.
Se as iniciativas serão suficientes para criar uma nova cultura, não há como saber, mas o propósito é nobre: Porto Alegre teve seu espaço público relegado ao esquecimento durante décadas. Já é hora de resgatar sua dignidade.