Sejamos humildes: erramos. E não tem problema, todo mundo erra, ainda mais quando se é tão jovem – são 33 aninhos de democracia, mal deixamos as fraldas. Erramos, já passou, paciência, mas fazer uma autocrítica é imprescindível. Ou vamos seguir errando.
Dias atrás, a revista Época publicou uma reportagem sob o título "Os paneleiros arrependidos". Achei bonito ver gente reconhecendo os próprios equívocos – ainda mais agora, quando todos apontam o dedo atrás de culpados. Ora, ninguém é culpado: o governo Dilma era um desastre absoluto, e as pessoas protestaram por um país melhor. O governo Temer é uma vergonha mundial, e as pessoas começam, agora, a enxergar o outro lado – o de que seria menos traumático e mais democrático se tivéssemos esperado.
Na reportagem da Época, mostraram um taxista, uma contadora, um funcionário público, uma empresária, todos lamentando ter colaborado para a ascensão do presidente mais impopular da história. Já ouvi de dois familiares um mea-culpa igual. Eles foram às ruas pedir o impeachment, mas hoje se sentem usados e tratados como bocós.
São pessoas inteligentes, ilustradas, sei que queriam o melhor para o país, que queriam o melhor inclusive para os pobres – não venha chamá-los de fascistas ou de coxinhas, porque é ridículo buscar um único perfil em manifestações que reuniram milhões. O fato é que, aos poucos, parece avançar sobre o Brasil a consciência de que aquilo foi um erro.
Um erro, não um golpe. Teve uma denúncia fundamentada, teve a soberania do Congresso e teve um Supremo aprovando o rito. Só que o rito garantiu a legitimidade, a constitucionalidade do processo; não garantiu que o processo tenha sido justo. De fato, havia elementos que configuravam crimes de responsabilidade, mas um impeachment precisa de mais do que isso.
Um impeachment, em um regime presidencialista, é grave demais para ocorrer sem consenso. E nunca houve consenso em torno do impeachment de Dilma – nem na esfera jurídica, nem na política, nem nas ruas. A população queria puni-la pela corrupção e pelo governo horroroso, mas governo horroroso não é motivo para impeachment. Ninguém foi às ruas bradar contra os decretos de créditos suplementares ou contra as pedaladas fiscais.
Faltou a materialidade, a concretude, a dimensão necessária para caracterizar um ato que justificasse o afastamento de uma presidente da República. Faltou a incontestável certeza de que sim, aquilo merecia uma expulsão sumária, como a corrupção de Collor mereceu – e como, aliás, essa enxurrada de escândalos que atropela Temer mereceria.
Os paneleiros do impeachment não são culpados, são vítimas que acabaram tapeadas pelos culpados de verdade
Não estou defendendo Dilma, estou defendendo uma entidade abstrata e disforme chamada instituições. Algumas se esfrangalharam depois do impeachment. Quando não há consenso na sociedade, quando um grupo desmonta sozinho uma instituição tão medular como a Presidência, é este grupo que ganha força – não a sociedade inteira. E este grupo, sem o aval da sociedade, sente-se legitimado a praticar os desvarios institucionais que bem entender.
As pessoas, devagarinho, vão notando isso. Sabem que Temer transformou o Planalto em um esconderijo de suspeitos – assim que ele e seus ministros descerem a rampa, deixando o estimado foro lá dentro, o xilindró vira um destino provável. Ninguém tem culpa por tê-lo alçado ao poder, pelo contrário: os paneleiros do impeachment estão entre as maiores vítimas, porque confiaram e acabaram tapeados pelos culpados de verdade.
Mas que os paneleiros erraram, erraram. Paciência, em uma jovem democracia, é assim que se aprende. Da próxima vez, melhor deixar um governo péssimo sangrar até o fim. Deus queira que não haja próxima vez – merecemos, em outubro, um presidente melhorzinho do que os últimos dois.