No país do jeitinho, das CPIs circenses, do nós contra eles, dos goleiros que simulam contusão e dos golpes de toda ordem – inclusive contra a ordem, o progresso e a própria democracia –, celebra-se neste 2 de maio o Dia Nacional da Ética. Não sei quem inventou essa celebração, que até pode ser bem-intencionada, mas presta-se a ironias como a que fiz na abertura deste texto. Quando criamos datas artificiais tipo Dia da Verdade, Dia da Honestidade ou Dia da Bondade, torna-se inevitável o questionamento sobre os demais dias do ano. Um dia de penitência libera os demais para a transgressão?
Hipocrisias à parte, a realidade é que temos um dia nacional para celebrar a ética, seja lá como for entendida no conceito de cada um. Pela definição oficial mais aceita por filósofos e estudiosos, é o conjunto de padrões e valores morais de um indivíduo ou grupo de pessoas. Na simplificação criada para melhor entendimento do povão, ética seria fazermos o certo mesmo quando não estamos sendo observados por ninguém.
Nem sempre, porém, há consenso sobre o que é certo e o que é errado. Agora mesmo, o país discute uma legislação para combater notícias falsas e discursos de ódio pela internet sem que o princípio constitucional da liberdade de expressão seja ferido de morte. Ninguém questiona a necessidade do controle, nem mesmo mentirosos e caluniadores contumazes. Mas quem vai controlar? Quem vai decidir o que é verdade e o que é mentira? Eis aí um dilema, digamos, ético, já magistralmente flagrado pelos versos do poeta espanhol Ramón de Campoamor: “Y es que en el mundo traidor/ nada hay verdad ni mentira: / todo es según el color / del cristal con que se mira”.
Legitimado pelo vandalismo golpista de janeiro último, o governo quer impor a sua visão. Tanto que já está sendo acusado por opositores de tentar criar o Ministério da Verdade, do romance antitotalitarismo de George Orwell. O MV do livro mentia, distorcia e falsificava registros históricos para induzir o povo a aceitar sempre a versão oficial. A crítica pode ser exagerada e motivada pelo antagonismo político, mas é óbvio que a vigilância do galinheiro não deve ser delegada às raposas.
Quem, então, terá legitimidade e isenção para decidir o que é verdade e o que é mentira? Na falta de solução mágica, parafraseio Pitágoras: eduquem as crianças e não será preciso punir políticos corruptos, goleiros trapaceiros e golpistas de toda ordem. Nem será preciso criar um dia especial para celebrar a ética.